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Comunicação e
      mobilidade
aspectos socioculturais das tecnologias
  móveis de comunicação no Brasil
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
                  Reitor
       Naomar Monteiro de Almeida Filho
                   Vice-Reitor
         Francisco José Gomes Mesquita


EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
                    Diretora
        Flávia Goullart Mota Garcia Rosa

               Conselho Editorial
                    Titulares
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                    Suplentes
      Antônio Fernando Guerreiro de Freitas
         Evelina de Carvalho Sá Hoisel
             Cleise Furtado Mendes
       Maria Vidal de Negreiros Camargo
ANDRÉ LEMOS
           FABIO JOSGRILBERG
               Organizadores




     Comunicação e
      mobilidade
aspectos socioculturais das tecnologias
  móveis de comunicação no Brasil




                EDUFBA
              Salvador, 2009
©2009 by Organizadores
                              Direitos de edição cedidos à
                  Editora da Universidade Federal da Bahia - EDUFBA
                                 Feito o depósito legal



                                                        Normalização
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                                         Editoração eletrônica e Capa
                                          Rodrigo Oyarzábal Schlabitz




                                       Sistema de Bibliotecas - UFBA


Comunicação e mobilidade : aspectos socioculturais das tecnologias móveis de comunicação no
    Brasil / André Lemos, Fabio Josgrilberg organizadores. - Salvador : EDUFBA, 2009.
   156 p.


     ISBN 978-85-232-0658-1


      1. Comunicação de massa - Aspectos sociais - Brasil. 2. Comunicação e cultura - Brasil. 3.
Mídia digital - Aspectos sociais - Brasil. 4. Tecnologia da informação - Aspectos sociais –
Brasil. I. Lemos, André. II. Josgrilberg, Fabio.



                                                                                    CDD - 302.230981




           Asociación de Editoriales Universitarias      Associação Brasileira de
                de América Latina y el Caribe            Editoras Universitárias


                                                          EDUFBA
                             Rua Barão de Jeremoabo, s/n - Campus de Ondina,
                                                 40170-115 Salvador-BA
                                                 Tel/fax: (71) 3283-6164
                                                      www.edufba.ufba.br
                                                       edufba@ufba.br
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.................................................................................................07
André Lemos, Fabio Josgrilberg

COMUNICAÇÃO MÓVEL NO CONTEXTO BRASILEIRO.......................11
Eduardo Campos Pellanda

REDES MUNICIPAIS SEM FIO: o acesso à internet e a nova agenda da
cidade.......................................................................................................................19
Fabio B. Josgrilberg

ESPECTRO ABERTO E MOBILIDADE PARA A INCLUSÃO DIGITAL
NO BRASIL...........................................................................................................37
Sérgio Amadeu da Silveira

IDENTIDADE, VALOR E MOBILIDADE: Motoboys em São Paulo.............51
Gilson Schwartz

TECNOLOGIAS MÓVEIS COMO PLATAFORMAS DE PRODUÇÃO NO
JORNALISMO......................................................................................................69
Fernando Firmino da Silva

ARTE E MÍDIA LOCATIVA NO BRASIL.........................................................89
André Lemos

APROXIMAÇÕES ARRISCADAS ENTRE SITE-SPECIFIC E ARTES
LOCATIVAS........................................................................................................109
Lucas Bambozzi

REVISITANDO O CORPO NA ERA DA MOBILIDADE.........................123
Lucia Santaella

VÍDEO-VIGILÂNCIA E MOBILIDADE NO BRASIL..............................137
Fernanda Bruno

SOBRE OS AUTORES......................................................................................153
APRESENTAÇÃO
André Lemos
Fabio Josgrilberg


      A história deste livro, de alguma maneira, é um registro das
posssibilidades do atual período técnico. Os textos foram reunidos em
movimento e a distância.
       Para registrar o tal do “zero fictício” de uma narrativa histórica,
poderíamos situar o início da empreitada no convite feito a nós por Kim
Sawchuk, editora do Wi-Journal of Mobile Media (http://wi.hexagram.ca),
para coeditar uma edição especial sobre mídias móveis no Brasil. No
início do trabalho editorial, tratava-se de um conexão Canadá-Inglater-
ra-Brasil. Kim, na Universidade Concordia, André como pesquisador-
visitante nas Universidades de Alberta e McGill, todas instituições ca-
nadenses e, do outro lado, Fabio como pesquisador-visitante na London
School of Economics and Political Science, em Londres. Depois de algu-
mas discussões, chegamos aos nomes dos autores que estão aqui neste
livro. Todos eles de diferentes partes do Brasil, com suas respectivas
atividades e instituições.
       Durante o primeiro semestre de 2009, reunimos os textos e dis-
cutíamos com Kim, em ano sabático, mas participando do processo
colaborativo. Kim em deslocamentos para uma série de conferências e
reuniões pelos Estados Unidos, Itália e Polônia. O projeto de edição
seria concluído após a volta de André e Fabio ao Brasil, no segundo


                                    7
semestre de 2008. Continuamos a trabalhar, André e Fabio na Bahia e
em São Paulo, respectivamente, como bases, mas também em viagens
pelo Brasil. Fechamos tudo com uma visita de Kim a São Paulo e o
recebimento dos artigos enviados pelos autores. Depois veio o processo
de avaliação dos textos por pareceristas canadenses e brasileiros e a pu-
blicação da versão em inglês do projeto no Wi-Journal of Mobile Media
em agosto de 2009. Os textos aqui reunidos e apresentados são versões
em português desse material, em alguns casos com adaptações para o
público brasileiro.
       Por mais que isso seja comum nos dias de hoje, não deixa de ser
fascinante o fato de que todo o projeto de edição se desdobrou com
apenas uma única reunião presencial em São Paulo, de cerca de duas
horas, e que a maior parte do processo colaborativo tenha ocorrido pela
internet, com os organizadores em viagens e deslocamentos os mais di-
versos. Este livro foi construído utilizando as tecnologias da mobilidade:
celulares, laptops, redes Wi-Fi... Foram inúmeros e-mails de aeroportos,
cafés, hotéis, universidades... A obra que o leitor tem em mãos discute o
papel cultural, sociocomunicacional e artístico das tecnologias da mobi-
lidade; sendo feito, ele mesmo, em mobilidade. Este livro foi produzido
em movimento, cheio de trajetórias inusitadas que não impediram o
encontro de ideias, projetos e sonhos.
       Mas falar de tecnologias móveis, mídias móveis, espaço urbano e
mobilidade no Brasil exige uma visão aguçada e atenta aos diversos pa-
radoxos deste país. É isso que nos explica Eduardo Pellanda em seu
texto. Apesar do imenso mercado interno, temos um dos mais caros
serviços de telecomunicações do mundo (telefonia fixa, telefonia móvel e
banda larga). O custo médio desse pacote coloca o país na 91ª posição
no ranking geral (price basket) da International Telecommunications Union,
ocupando a 114ª posição no custo da telefonia móvel, 77ª posição no
custo da banda larga. O ranqueamento é feito do mais barato para o
mais caro entre 150 países – nem entramos aqui no custo dos terminais
de acesso móvel (smartphones, notebooks, etc.). Diante de tal cenário, nú-
meros oficiais indicavam em junho de 2009 a existência de 159.613.507

                                    8
acessos ao Serviço Móvel Pessoal (SMP), sendo 130.596.366 (81,82%)
na modalidade pré-pago e 29.017.141 (18,18%) pós-pago. Do total de
acessos (pré e pós), 1.903.030 operavam com o padrão WCDMA (3G).
Por outro lado, dados de 2008 indicam apenas 20% de acesso domiciliar
à internet em áreas urbanas.
       Os paradoxos do mercado de telecomunicações brasileiro são ape-
nas alguns dos problemas tratados neste livro. Outros desafios locais
também foram motivo de atenção, em especial a questão da vigilância
nas sociedades atuais, em texto de Fernanda Bruno, ou a gestão do es-
pectro eletromagnético, tratada por Sérgio Amadeu da Silveira, tendo
em vista a questão da inclusão digital. Nesse mesmo ponto, Fabio B.
Josgrilberg mostra os dilemas e tendências da entrada de governos mu-
nicipais na oferta de redes sem fio de acesso à internet.
       Contudo, apesar das dificuldades econômicas, políticas e
tecnológicas, as mídias móveis alimentaram diversos projetos inovado-
res e criativos no Brasil. As possibilidades das mídias locativas foram
exploradas por André Lemos e Lucas Bambozzi, mais no contexto da
arte eletrônica com as mídias locativas, e também por Gilson Schwartz,
que aborda o projeto dos Motoboys em São Paulo, mostrando como as
mídias móveis podem ajudar a reinventar as relações sociais no espaço
urbano, mais precisamente no tráfego caótico de São Paulo.
       Fernando Firmino da Silva, por sua vez, discute como as recentes
formas de comunicação móvel provocam mudanças no jornalismo, tanto
na prática dos jornalistas como na estrutura organizacional das redações
e das empresas jornalísticas. Assim como as tecnologias da mobilidade
exigem novos esforços teóricos para pensar o jornalismo, o texto de Lu-
cia Santaella amplia o debate e trata dos possíveis desenvolvimentos
teóricos que se fazem necessários frente às novas relações humanas com
as mídias móveis.
      O leque de discussão é amplo. Reunimos neste livro o que há de
melhor no Brasil na área das tecnologias móveis de comunicação. Al-
guns pesquisadores importantes ficaram de fora, mas novos livros virão.


                                   9
Tentamos, nesse primeiro movimento, reunir um conjunto de pesquisa-
dores, e suas respectivas instituições, que tem, no campo da comunica-
ção, desenvolvido um pensamento de ponta, inovador, de pesquisa e
formação de recursos humanos no país na área das mídias móveis. Preci-
samos, efetivamente, enfrentar esta que é a nova onda da revolução da
informática no campo social: os serviços e tecnologias baseados em mo-
bilidade e localização. Por fim, gostaríamos de agradecer ao corpo edito-
rial do Wi-Journal of Mobile Media pelo suporte dado para a versão ingle-
sa do projeto, em especial à Kim Sawchuk, a primeira pessoa a vislum-
brar esta pequena coleção de textos. Desejamos a todos uma excelente
leitura, ansiosos por manter o debate sobre os temas aqui tratados em
outros fóruns... sempre em movimento.


REFERÊNCIAS
ANATEL. Telefonia celular alcança 159,6 milhões de assinantes em
junho. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/Portal/
exibirPortalinternet.do#>. Acesso em: 24 jul. 2009
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso
das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e
TIC Empresas 2008. São Paulo: Centro de Estudos sobre as Tecnologias
da Informação e da Comunicação, 2009. Disponível em: <http://
www.cetic.br/tic/2008/index.htm>. Acesso em: 20 out. 2009.
INTERNATIONAL TELECOMMUNICATIONS UNION-ITU.
Measuring the information society. Geneva, 2009. Disponível em: <http://
www.itu.int/ITU-D/ict/publications/idi/2009/material/
IDI2009_w5.pdf>. Acesso em: 20 out. 2009.




                                    10
COMUNICAÇÃO MÓVEL NO
CONTEXTO BRASILEIRO
Eduardo Campos Pellanda


       O presente texto é uma abordagem sucinta sobre o impacto da
comunicação móvel no Brasil. Primeiramente, é discutida a relação en-
tre os espaços reais e virtuais e seus desdobramentos no campo da mobi-
lidade. Posteriormente, há um contraste com os números e peculiarida-
des no Brasil e uma contextualização com a comunicação móvel.
      É digno de registro como o tópico da comunicação móvel vem
crescendo em complexidade no momento em que penetra em diferentes
culturas e classes sociais. Em países como o Brasil, isso provoca um
grande impacto em diferentes camadas econômicas. O aumento de co-
nexões resultantes da tecnologia móvel no país tem proporcionado dife-
rentes oportunidades e desafios aos hábitos sociais e aos limites entre
espaços públicos e privados. O acesso always-on1 com voz e dados tem
aberto caminho para um novo manancial de distribuição e colaboração
de informações em um contexto onde os aparelhos são “hiper-pessoais”,
pois eles são realmente usados por uma só pessoa, o que não ocorre
necessariamente com o computador pessoal. À medida que esses apare-
lhos começam a incorporar mais funcionalidades, começam a se tornar
mais parecidos com computadores. Nessa perspectiva, eles têm uma

1
    Termo em inglês que significa conexão permanente.


                                             11
grande relevância no processo de inclusão digital por serem mais bara-
tos e estarem em condição ubíqua.
       A voz foi um elemento essencial no início de todo o processo da
comunicação móvel no Brasil, pois já possibilitou uma nova comunica-
ção ligando diferentes lugares da cidade. Mas as mensagens de texto, ou
SMS, tem rapidamente se tornado a segunda linguagem desta tecnologia,
influenciando novas gerações. (RHEINGOLD, 2003) Com o início dos
serviços de compartilhamento de áudio, vídeo e fotos, outras formas de
comunicação afloram dessas possibilidades. O acesso à internet começa
a ser o próximo canal de expansão da comunicação móvel no país à
medida que as redes de telefonia vão se expandindo e os custos começam
a baixar com a escala do aumento de usuários. Aparelhos como o Blackberry
começam a popularizar o uso do e-mail com serviços push, que proporci-
onam o recebimento instantâneo de mensagens. Para a navegação em
páginas web, aparatos como o iPhone começam a viabilizar o acesso ubí-
quo e outros smartphones seguem o caminho aumentando a competição
no setor. Empresas como Google, Microsoft, HTC e Nokia estão bus-
cando alternativas para a competição de aparelhos que possuam um cus-
to-benefício mais eficiente. Isso nos leva a crer que a popularização dos
aparelhos deve encaminhar uma maior popularização da tecnologia. Além
disso, novos serviços baseados em coordenadas geográficas começam a
interagir com a navegação convencional iniciando uma nova experiência
de comunicação.
       Desde o começo da internet comercial é senso comum que o espa-
ço virtual é um oposto do real, físico ou atual (LÉVY, 1996) e eles não
possuem uma conexão perceptível. O espaço atual é onde estão os tijo-
los, o concreto e toda a matéria baseada em átomos. É o lugar em que se
percebem sensações na epiderme e se pode tocar nos objetos. Na apa-
rente oposição, o espaço virtual é somente conectado com a informação
que não é tangível. Nosso corpo é usualmente imaginado estar conectado
ao real e atual e nossas mensagens interconectadas no virtual.
     Todas essas percepções populares estão também ligadas ao modo
como se percebe o uso do computador pessoal (PC) conectado à internet.

                                   12
O consumo dessa mídia se dá dentro das quatro paredes de um quarto,
escritório ou lan house. A informação é trocada no ambiente virtual e
aplicada no real. A percepção é de que a informação se dá dentro do
monitor do computador (TURKLE, 1995) e a “existência do virtual”
acontece somente neste local.
       As cidades e áreas urbanas estão, nesse contexto, deslocadas da
informação, os átomos estão desconectados dos bits (NEGROPONTE,
1995) criando uma defasagem e ajudando a percepção equivocada de
que real e virtual são opostos, quando, em um olhar mais aprofundado,
eles consistem em potências bilaterais. (LÉVY, 1996) As cidades possu-
em guias turísticos, mapas e livros históricos que conectam informações
e representações com o espaço físico. Contudo, essas referências não são
atualizadas em tempo real e não estão diretamente ligadas com os ambi-
entes urbanos.
     Quando conectamos lugares físicos com o ciberespaço, temos o
cruzamento de conceitos e fronteiras:

                         A internet nega as geometrias. Ao mesmo tempo em
                         que ela tem uma topologia definida dos nós
                         computacionais e irradia ruas de bits, e também as
                         localidades dos nós e links podem ser registradas em
                         mapas para produzir surpreendentes tipos de diagra-
                         mas de Haussmann, ela é profundamente e funda-
                         mentalmente antiespacial. Nada parecida com a Piazza
                         Navona ou a Coperly Square. Você não pode dizer ou
                         falar para um estranho como chegar lá. A internet é
                         ambiente [...] (MITTCHELL, 2003, p. 8)

       Essa conexão se dá hoje com o suporte dos celulares, PDAs,
smartphones e demais aparelhos de computação portáteis. Esses dispositi-
vos estão imersos nas redes wireless que se expandem rapidamente em
coberturas e velocidade de banda. O massivo uso de aparelhos como
celulares de maneira intensiva tem transformado a relação homem/má-
quina em um ambiente cyborg. (MITTCHELL, 2003)

                                   13
A conexão entre as pessoas cria uma rede de SmartMobs
(RHEINGOLD, 2003) onde os nós interagem e rapidamente, por exem-
plo, se combina um encontro em algum ponto da área urbana. Rheingold
(2003) observa isso com mais profundidade em adolescentes que incor-
poram o uso dessas tecnologias para a conexão de suas tribos. Esta liga-
ção entre o jovem e seu aparelho celular é tão profunda que o telejornal
da TV Portuguesa SIC destacou2 uma briga entre um professor que
pretendia retirar o dispositivo de uma aluna. A jovem relutou e o episó-
dio acabou em violência física.
       A cultura SmartMobs pode ser verificada também nos atos terro-
ristas de Madrid em 2004, em que a população local se reuniu através
de mensagens de texto. O resultado foi a maior manifestação pública na
cidade desde a Segunda Guerra Mundial.
      Nos atentados de Londres em 2005, aparelhos móveis registra-
ram as imagens do metrô após as explosões. Estas imagens foram para as
redes de televisão de todo o mundo pelo critério de informação e não de
qualidade técnica. Os cidadãos estão equipados com câmeras conectadas
que podem relatar fatos antes dos profissionais. (GILLMOR, 2004)
      Os celulares convergem fetiches tecnológicos com conexões
midiáticas. Eles concentram os acervos de conteúdo com o ponto de
ligação entre o indivíduo e o social:

                           [...] no momento em que celulares começam a conectar
                           com a internet e oferecem algumas de suas funções –
                           livros, jornais, revistas, conversas por texto ao vivo ou
                           não, telefonia, videoconferências, rádios, gravação de
                           músicas, fotografia, televisão – o celular se torna uma
                           casa remota para comunicações, uma casa móvel, um
                           pocket hearth, um meio de viagem da mídia.
                           (LEVINSON, 2004, p. 53)


2
 O vídeo pode ser visualizado no YouTube neste endereço: <http://br.youtube.com/
watch?v=cchxDXKFAuE>


                                      14
Não só os aparelhos celulares representam essa experiência móvel,
mas vários formatos de PC como o UMPC3 ou MID4 também fazem
parte do contexto. Além disso, há uma tendência clara pela eliminação
de fios dentro das casas entre aparelhos de som, rádios, TV e outros
eletrodomésticos.
       Quando todos esses dados e conceitos se aplicam a países como o
Brasil, eles começam a ter outro valor. Pois uma nação com 3,287,597
metros quadrados e 189,987,2915 de habitantes torna-se ávida por uma
expansão de redes wireless. De fato, as comunicações sem fio fazem parte
da evolução histórica do país que, ao mesmo tempo, foi responsável por
importantes contribuições para o campo. Além de ser um dos primeiros
a adotar o rádio e a televisão, foi no Brasil que as primeiras experiências
de transmissões sem fio foram realizadas. O padre Roberto Landell de
Moura6 realizou o experimento de propagação de voz sem fios ao mesmo
tempo em que o italiano Guglielmo Marconi descobria a tecnologia na
Europa.
       O Brasil é também um país de extremas diferenças com partes da
população vivendo à margem da miséria ao mesmo tempo em que é uma
das nações a adotar mais ferozmente novas tecnologias e culturas digi-
tais. O país possui um sistema de votação eletrônica com tecnologia
nacional que cobre 100% das localidades. Isso inclui lugares remotos
onde a informação precisa ser transmitida por telefones de satélite. O
Brasil é pioneiro e líder em recolhimento de impostos pela internet, já
tendo este serviço se incorporado à cultura nacional. A população tam-
bém está no topo das nações que mais estão conectadas à rede proporci-
onalmente ao número de internautas7, além de ser a maioria em comu-


3
    Ultra Mobile Personal Computer
4
    Mobile internet Device
5
    Ver, IBGE. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em : 21 dez. 2007.
6
    Ver, http://en.wikipedia.org/wiki/Roberto_Landell_de_Moura
7
    IBOPE/NetRatings


                                             15
nidades virtuais como o Orkut. Outro dado relevante é o fato de que,
em 2007, pela primeira vez o país comercializou mais computadores
pessoais do que aparelhos de TV A internet como mercado publicitário
                               .
também passou a receita da TV a cabo.
       No campo da telefonia celular, o Brasil tem 140 milhões de apare-
lhos ativos e 81% deste número é comercializado em planos pré-pagos8.
Tal modelo de pagamento é responsável pela grande popularização da
comunicação wireless no país. Apesar de mais cara por minuto se compa-
rada aos planos pós-pagos, ela dá flexibilidade de pagamentos sobre de-
manda. Outra questão é que, mesmo se o telefone não possuir créditos,
o usuário pode ainda assim receber ligações, o que possibilita conexões
mesmo sem despesas.
       Nesse contexto, a comunicação móvel está transformando ativi-
dades econômicas e sociais de maneira profunda. Desde um vendedor de
cachorro quente ambulante que pode oferecer serviços de tele-entrega
até profissionais freelancers que podem ter escritórios móveis. Com isso,
várias funções da economia informal nasceram dessa possibilidade. Tais
atividades representam uma importante parcela da economia brasileira.
       Outra questão relevante no contexto do acesso aos meios de teleco-
municação é o fato de uma grande parcela da população não ter ainda
acesso a telefones fixos. Isso se deve ao fato de áreas populosas, mas infor-
mais, como as favelas ou áreas rurais, não terem infraestrutura para as
ligações. Em certas áreas, há também um desinteresse econômico das em-
presas, que deste modo, ignoram os locais. Mas a tecnologia sem fio trans-
põe este problema por não precisar de ligações diretas com as residências.
Uma única base de telefonia celular pode ser responsável pela existência
de diversas linhas. Essa flexibilidade, aliada a uma expansibilidade, é um
dos principais fatores de inclusão digital da tecnologia.
     Usando o mesmo conceito, prefeituras de cidades como Porto Alegre
usam a tecnologia Wi-Fi para distribuir o acesso gratuito à internet em

8
    Ver, Dados. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br>


                                            16
áreas estratégicas da cidade. Locais de grande visitação turística ou de
densidade de pequenos negócios são escolhidos para o beneficiamento
desta parcela da população dando, com isso, mais capacidade produtiva
e competitiva. Este modelo também é adotado em pontos turísticos do
Rio de Janeiro para incentivar a informação e colaboração dos visitantes.
Já em regiões remotas da Amazônia, a tecnologia que está sendo testada
pela empresa Intel é a WiMAX9. Esta conexão permite a cobertura mais
ampla e viabiliza o acesso à rede em lugares extremamente complexos
para a transmissão por fios.
       A tecnologia 3G, que permite o acesso em banda larga através de
dispositivos móveis, teve um lançamento massivo no ano de 2008 no
Brasil. Todas as capitais e principais centros urbanos já possuem a
tecnologia e, por acordo com a Agência Nacional de Tele-comunicações
(ANATEL), as empresas que exploram a telefonia celular devem esten-
der a cobertura por todo o país em 5 anos. O marco representa um forte
fator de inclusão da população à comunicação digital, pois também abran-
ge áreas onde a banda larga não era possível. A venda de modems para a
conexão de laptops à rede 3G teve uma demanda tão intensa que os
estoques não tinham capacidade de alimentação da procura, fato que
mostra a carência do serviço percebido pela população.
       O exemplo do Brasil é único porque tem características similares
à África, onde a falta de telefones fixos também obrigou os países a
pularem direto para a tecnologia celular, mas ao mesmo tempo revela
um uso comparável a países desenvolvidos nas tecnologias mais avança-
das nos grandes centros urbanos. Os 140 milhões de usuários estão
rapidamente pulando dos serviços de voz para os de dados como o aces-
so ao ciberespaço, proporcionando diversas potencializações de usos; desde
criminais até socialmente emancipadoras. Como espelhos da realidade
em relação ao espaço virtual (LÉVY, 1996), esse empodeiramento é a
tônica da comunicação digital. Assim como no passado o rádio e a tele-

9
 Worldwide Interoperability for Microwave Access. Ver, endereço eletrônico: http/
www.wimaxforum.org


                                      17
visão uniram o país em trocas culturais e informacionais, a comunicação
móvel tem a potencialidade de ser ainda mais transformadora em um
país de dimensões continentais e uma população multicultural e única
na velocidade da adoção de novas tecnologias.


REFERÊNCIAS
CASTELLS, M. et al. Mobile communication and society: a global
perspective. Cambridge: MIT Press, 2007.
GILLMOR, D. We the media:grassroots by the people, for the people.
Sebastopol: O’Reilly Media, 2004.
LEVINSON, P. Cellphone. New York: Palgrave, 2004.
LÉVY, P O que é o virtual. São Paulo: Editora 34, 1996.
       .
MITTCHELL, W J. ME++: the cyborg self and thenNetworked city.
               .
Boston: MIT Press, 2003.
NEGROPONTE, N. Vida digital. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
RHEINGOLD, H. Smart mobs. Cambridge: Perseus Publishing, 2003.
TURKLE, S. A vida no ecrâ: a identidade na era da internet. Lisboa:
Relógio D´água, 1995.




                                  18
REDES MUNICIPAIS SEM FIO:
o acesso à internet e a nova agenda da cidade                                    10



Fabio B. Josgrilberg


      O governo federal brasileiro anunciou, em 10 de outubro de 2008,
um edital (Nº 027/2008-MC) com o objetivo de contratar serviços e
equipamentos necessários para:

                                 [a] implantação de infra-estruturas básicas de comu-
                                 nicação para acesso à internet de alta velocidade nos
                                 municípios, com uso de tecnologias sem fio para trans-
                                 missão de dados, voz e imagens, que suportem a rea-
                                 lização de teleconferências, telemedicina e teleaulas
                                 em nível nacional. (BRASIL. Ministério das Comuni-
                                 cações, 2008)

       Em resumo, a ideia era equipar 160 cidades com redes corporativas,
comunitárias, peer-to-peer ou fomentar o desenvolvimento de soluções híbri-
das. No imaginário, por trás da iniciativa, estava o sonho de criar as chama-
das “cidades digitais”, uma expressão utilizada no texto do próprio edital.

10
  As reflexões apresentadas neste artigo têm origem nos resultados do projeto de pesquisa
Muni-Wi: an exploratory comparative study of European and Brazilian municipal wireless networks
(JOSGRILBERG, 2008), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo
(FAPESP).


                                             19
Ainda em 2008, em São Paulo, o maior centro industrial e finan-
ceiro do país, Marta Suplicy, então candidata à prefeitura pelo Partido
dos Trabalhadores (PT), prometeu equipar a municipalidade com acesso
à internet sem fio. Apenas para ajudar a entender a dimensão do proje-
to, em 2007, 10.886.518 pessoas viviam em São Paulo em uma área de
1.523 km². (IBGE, 2008)
        É interessante ver como, nos últimos anos, a questão do acesso à
internet banda larga sem fio se tornou parte da nova agenda dos go-
vernos em todos os seus níveis. No entanto, no fundo, trata-se de um
antigo problema, a saber, a desigualdade no acesso aos avanços
tecnológicos da sociedade, ou, usando a redação do Artigo XVII da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, a falta de condições para
“[...] participar do processo científico e de seus benefícios.” (UNITED
NATIONS, 1948)
      Ambos os projetos, o do governo federal e o de Marta Suplicy, se
tornaram alvos de críticas negativas. O edital federal chegou a ser can-
celado no final de outubro de 2008. Dentre os principais motivos, des-
tacamos as pressões devido à falta de debate público sobre o assunto e a
ênfase em um único modelo tecnológico. Já a promessa de Suplicy foi
atacada com acusações de se tratar de um sonho impossível motivado
apenas por interesses de marketing político.
       Deixando de lado a discussão sobre o mérito dos projetos citados,
o importante é notar como o debate sobre a inclusão digital, com banda
larga e até redes sem fio, se tornou pauta de políticos e da mídia. Houve
até mesmo desdobramentos inusitados como o lançamento do álbum
Banda larga cordel (2008), de Gilberto Gil, então ministro da Cultura.
Apenas por curiosidade, vale a citação de parte da letra da música que
dá nome ao CD:

                         Quem não vem no cordel da banda larga
                         Vai viver sem saber que mundo é o seu




                                   20
Mais à frente na música, em um jogo de palavras, Gil (2008),
afirma:

                                  Ou se alarga essa banda e a banda anda
                                  Mais ligeiro pras bandas do sertão
                                  Ou então não, não adianta nada
                                  Banda vai, banda fica abandonada
                                  Deixada para outra encarnação

       É bem verdade que a música não alcançou o topo das paradas
musicais, mas há de se reconhecer que os versos citados chamam a aten-
ção do ouvinte a questões centrais relativas à inclusão digital – em que
se pese o autor ser na ocasião um ministro de Estado, podendo misturar
argumentos de desenvolvimento, direitos humanos e uma boa dose de
marketing político que, não sejamos ingênuos, também faz parte dos
atuais processos democráticos. É quase como Castells afirmando sobre o
risco de desconexão entre o “ser” e a “rede”, e a ameaça a populações
inteiras que se encontram distanciadas dos atuais fluxos comunicacionais.
(CASTELLS, 2000)
      O sonho sobre as redes municipais de acesso à internet sem fio e o
debate sobre as cidades digitais no Brasil tem início em meados da déca-
da de 1990. À época, destaca-se o projeto de Piraí, no Rio de Janeiro.
De lá para cá, e especialmente nos últimos cinco anos, iniciativas seme-
lhantes pululam Brasil afora11.
      No caso de Piraí, uma situação em especial levou a municipalidade
a repensar o seu plano de desenvolvimento e dar ênfase às tecnologias de
informação e comunicação: a privatização da companhia de eletricidade
que levou a um corte de 1200 empregos, atingindo profundamente a
vida dos seus cerca de 22.500 habitantes.
      Em meio à crise local, a comunidade percebeu que a reorganização
da cidade passava pelas tecnologias de informação e comunicação digitais.

11
     Informações obtidas com os gestores dos projetos e em sites oficiais das cidades.


                                               21
Assim, a primeira infra-estrutura com vistas ao acesso universal foi insta-
lada em 2002, já com o objetivo de transmitir dados, voz e imagens.
       No início do projeto, a ideia era oferecer internet sem fio, com
bandas variando entre 128 kbps e 512 kbps, a partir de uma taxa que
variava entre R$ 39,00 e R$ 90,00. O custo da rede e um embate legal
com a Anatel, a agência reguladora brasileira, levaram os gestores do
projeto a optar, em 2007, por uma infraestrutura híbrida gratuita – 13
torres, operando em toda a cidade em 5.8 GHz, com cabos complemen-
tares acessando diferentes lugares, dependendo das condições geográfi-
cas e de aspectos contingentes relativos à arquitetura da cidade ou da
própria rede. Após a decisão da Anatel, a provisão de internet teve de
ser limitada à oferta gratuita e basicamente a equipamentos públicos,
tais como escolas, telecentros, quiosques e alguns hotspots e residências
em caráter piloto.
      Outro caso pioneiro que se tornou famoso no país foi o da cidade
paulista de Sud Mennucci. Em 2008, o município tinha uma população
de 7.714 habitantes, cobrindo uma área de 591 km2, com 85% dos quais
vivendo na área urbana. (OKAJIMA, 2007, IBGE, 2008) A iniciativa de
Sud Mennucci traz um elemento curioso, digno de se tornar objeto de
pesquisa em outros municípios do país: a internet foi aberta à população
porque sobrava banda nos serviços da prefeitura da cidade.
      Os primeiros estudos do projeto de Sud Mennucci começaram em
2002. O objetivo era dar conta das demandas administrativas da prefei-
tura com vistas a diminuir o custo de conexão com a internet interurba-
na discada, a única possível à época.
       Um estudo conduzido por técnicos da prefeitura em parceria com
a indústria alcooleira levou à solução de uma rede sem fio, em detrimen-
to do uso de fibra ótica – esta mais cara. Mas é em 2003 que o governo
local percebe que possuía mais banda do que necessitava aos seus servi-
ços administrativos. O que fazer? Abriu-se o sinal para a população em
2003, que passou a ter a possibilidade de se conectar à rede em suas
residências a partir do uso de antenas específicas.


                                    22
Assim, o novo objetivo do governo local passou a ser a inclusão
digital da população que também sofria com as taxas interurbanas de
acesso à internet. Em setembro de 2003, a cidade tinha 10 usuários
registrados no projeto municipal, sem falar dos equipamentos públicos.
Entretanto, é em 2005, a partir de outro evento digno de nota, que o
projeto decola entre os habitantes. O aumento de registros na prefeitu-
ra se deu graças à publicação de um artigo de Elio Gaspari, na Folha de
São Paulo, destacando o projeto de Sud Mennucci. (GASPARI, 2005)
Em 2008, o município já contava com quase mil usuários registrados.
       Em 2008, a rede sem fio da cidade usava Wi-Fi, trabalhando em
2.4 GHz, com design ponto-a-ponto, a 64 kbps por ponto, em link con-
tratado da Telefônica. A partir de uma antena de 40 m, o cobertor digi-
tal alcançava um raio de 10 km.
       Os casos pioneiros, aos quais se poderiam incluir outros não cita-
dos aqui, acabaram por influenciar o debate em termos de regulamenta-
ção. No Brasil e no mundo, a discussão gira em torno do papel dos
governos locais na provisão de internet. As questões são recorrentes,
tais como:

      · O município terá condições de manter e atualizar a rede a longo
      prazo?
      · A entrada do governo local na provisão de internet inibirá o
      mercado local no setor?
      · Os municípios podem cobrar pelo uso da rede?
      · Qual o modelo de negócio da rede?
      · Qual é o regime de utilização do espectro mais adequado?

       Com vistas a regular a entrada de prefeituras na instalação de redes,
a Anatel criou em 2007 a licença de Serviço Limitado Privado (SLP). Com
a SLP tornou-se possível criar as redes para fins de uso de serviços da
     ,
municipalidade, de forma gratuita, com restrição ao território da cidade.


                                    23
Opcionalmente, o governo pode fazer uso de uma rede menos restrita
contratando uma empresa privada ou pública, operando em regime de
mercado, com licença SCM (Serviço de Comunicação Multimídia).
      Em paralelo, outras discussões seguem na Anatel, como a limpeza
das bandas 450 MHz – 470 Mhz a fim de deixá-las mais disponíveis
para usos em cidades pequenas ou rurais. Também em novembro de
2008, a agência lançou uma consulta pública sobre os marcos regulatórios
das bandas de 3.400 MHz a 3.600 MHz. Na redação original do texto,
aparece a proposta de usar as sub-bandas de 3.400 MHz a 3.405 MHz e
de 3.500 MHz a 3.505 MHz para projetos públicos de inclusão digital.
(ANATEL, 2008)
       As tentativas de regular a entrada do poder público no setor de
redes sem fio e as restrições tecnológicas ou financeiras não tem diminu-
ído o otimismo dos gestores públicos brasileiros. Nem mesmo a notícia
de descontinuidade ou redução de investimentos em projetos estrangei-
ros, como aconteceu em Chicago, São Francisco e Filadélfia, todos nos
Estados Unidos, parece afetar o desejo de ver áreas urbanas e rurais
cobertas por redes wireless. Há inclusive projetos pensados em nível es-
tadual, como os casos do Rio de Janeiro, Pará, Bahia e Amazonas.
      Que o futuro da internet é, em grande parte, sem fio é um fato. A
dúvida paira sobre o papel dos governos, em todos os níveis, na provisão
de internet. O bom senso aponta para o melhor equilíbrio entre ações
do governo, sociedade civil organizada e mercado. A predominância de
um desses atores depende de situações contingentes. De maneira sim-
ples e direta, quando o mercado falha em prover soluções que deem
conta das demandas sociais, o governo deve promover a criação desse
mercado ou atuar diretamente na provisão do serviço.
      No Brasil, dados do Comitê Gestor da internet (CGI) apontam
que apenas 20% da população brasileira possui acesso residencial à
internet. (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2009) Ora,
salvo melhor juízo, esse número é mais do que suficiente para sustentar
argumentos em favor da atuação do governo local nesse setor. As dúvi-


                                   24
das que pairam sobre esse tema não podem intimidar gestores públicos
em países em desenvolvimento.
       O argumento para a entrada do governo municipal na provisão de
internet é simples, como já temos destacado em outros espaços. A inspi-
ração vem do grande mestre Milton Santos. A pobreza, explica o geógrafo,
é, acima de tudo, uma definição política que tem a ver com os objetivos
que uma sociedade determina para si. (SANTOS, 1979) Portanto, a po-
breza não é simplesmente um dado estatístico com ênfase na renda e
definições de linhas de miséria ou coisa que o valha. Na chamada Socie-
dade do Conhecimento, o acesso à internet em banda larga e, por que
não, sem fio, deve fazer parte de qualquer definição possível de pobreza.
Como se sabe, hoje, salvo raras exceções, a banda larga chega apenas
onde há mercado, ou seja, consumidores em condições de comprar os
serviços oferecidos pelas empresas de telecomunicações.
       Apesar de haver justificativas evidentes para a entrada dos gover-
nos locais no desenvolvimento de projetos de redes sem fio para uso da
população, as armadilhas estão espalhadas por todo o caminho. Uma
rede totalmente pública e gratuita, sem dúvidas, pode inibir o desenvol-
vimento local do setor, pode indicar menor criação de empregos e redu-
zir a velocidade das inovações, que, em geral, se favorecem pela compe-
tição entre empresas. Os críticos da atuação do governo também desta-
cam a falta de especialistas em telecomunicações em muitas prefeituras
e a inviabilidade de sustentar o desenvolvimento da rede no longo pra-
zo. (JOSGRILBERG, 2008)
       Uma opção seria terceirizar o desenvolvimento e até a operação da
rede sem fio municipal, favorecendo assim a competição entre diferentes
empresas. As parcerias público-privadas, contudo, também apresentam
os seus problemas. O mais sério deles é o de colocar em risco os valores
públicos de universalização e neutralidade da rede. Há ainda outras ques-
tões, como a possibilidade de ver o governo local amarrado a contratos
restritos a um único modelo tecnológico ou de gestão – o que pode se
tornar um risco para o desenvolvimento da própria rede.


                                   25
Portanto, é importante notar que o desenvolvimento de redes
wireless em nível municipal, sejam elas totalmente públicas e gratuitas
ou em parcerias público-privadas, deve buscar soluções contingentes
que dependem do perfil socioeconômico da cidade, das condições geo-
gráficas e de arquitetura urbana. Sempre haverá riscos e benefícios, pois
não há solução perfeita. Não obstante tais possibilidades, vale destacar
que, seja como for, com a municipalidade administrando ou terceirizando
o desenvolvimento e operação da rede municipal sem fio, a responsabili-
dade será sempre do governo local. (MINOW 2007)
                                              ,
       Acima de tudo, é preciso lembrar que um projeto de rede munici-
pal sem fio envolve várias dimensões que precisam estar muito bem
articuladas. Com o objetivo de mapear esses diferentes aspectos, sugeri-
mos um modelo com base em um estudo comparativo entre projetos
brasileiros e europeus de redes municipais sem fio (JOSGRILBERG,
2008), no qual pudemos identificar algumas facetas que parecem ser
fundamentais, a saber, “comunidade”, “infraestrutura”, “modelo de ne-
gócio” e “governança”. O detalhamento de cada dimensão pode ser co-
nhecido no relatório final da pesquisa. Neste texto, apresentamos um
resumo das principais ideias.


a) Comunidade

      O envolvimento da comunidade na organização do projeto de rede
municipal sem fio pode ser fundamental para o sucesso do projeto. Veja
o caso de Sud Mennucci, citado acima. De início, parecia não haver uma
compreensão adequada do valor da iniciativa.
      A comunidade pode ser inserida por programas de promoção de
demanda, ou seja, de uso da rede, articulando treinamentos e
favorecimento para a compra de terminais (notebooks, desktops, PDAs, etc.).
Como destacam Mansell e Steinmueller (2000, p. 37), “o usuário é uma
categoria enormemente variada e a sensibilidade para a motivação das
pessoas, ou falta dela, para se envolver com o novo ambiente virtual ou


                                    26
ciberambiente é um pré-requisito para a evolução econômica e proces-
sos sociais”
      A participação da comunidade também será importante do ponto
de vista da governança do projeto, que trataremos adiante, especial-
mente no que se refere a questões de accountability, transparência de pro-
cessos e futuros desenvolvimentos da rede. Essa participação pode se
dar, por exemplo, por meio de comitês locais.


b) Governança

       A palavra governança aparece facilmente nas apresentações de es-
pecialistas em gestão – usada corretamente ou não. O termo se aplica a
organizações públicas ou privadas, mas também dentro de contextos
mais específicos como, por exemplo, na área de Tecnologia da Informa-
ção (TI) ou no terceiro setor.
       Trata-se de tarefa difícil encontrar uma definição para o termo na
gestão pública. A origem da ideia pode ser identificada no início dos
anos 1970, quando a expressão se tornou popular nas políticas prescri-
tas pelo Banco Mundial para a gestão pública. Muitos viam nesse movi-
mento interesses relacionados à estratégia do banco de impor certas
condições aos países, particularmente àqueles em desenvolvimento, em
geral trazendo um sentido de Estado mínimo em prol do mercado livre.
(RHODES, 1996, DOORNBOS, 2001, FREDERICKSON, 2005)
      Contudo, a reflexão sobre o conceito de governança evoluiu com o
tempo. No caso discutido aqui, as redes municipais sem fio, a definição
de Frederickson é mais do que suficiente. Para o autor, governança pode
ser entendida como “[...] um conjunto de princípios, normas e papéis, e
de procedimentos de tomada de decisão ao redor dos quais os atores
convergem na arena pública.” (FREDERICKSON, 2005, p. 293)
      Em se tratando de redes municipais sem fio, é possível incluir
aspectos como abertura da rede (princípios), condição de participação



                                   27
dos atores e de tomada de decisão (normas), funções dos stakeholders
(papéis), além dos processos de organização, de desenvolvimento e de
sustentabilidade geral da rede (gestão).
      A transparência dos princípios de governança é uma das chaves
para a existência da rede a longo prazo. Tais princípios estão diretamen-
te relacionados às demais dimensões (infra-estrutura, comunidade e
modelo de negócio).


c) Infraestrutura

       A infraestrutura talvez seja o elemento que mais chame a atenção
nos debates sobre as cidades digitais - equivocadamente, diga-se de pas-
sagem. Em resumos, estamos falando de hardwares e softwares necessários
para implantar uma rede municipal sem fio. Destacamos, em seguida,
alguns elementos propostos pela literatura especializada sobre o que
esses tipos de redes ou similares devem oferecer (BACCARELLI, et al.,
2005, GUNASEKARAN; HARMANTZIS, 2007):

      · acessibilidade;
      · disponibilidade;
      · custo acessível dos serviços;
      · aplicações.

      Em meio aos temas tratados dentro do projeto OPAALS, que de-
bate, dentre outros assuntos, a criação de ecossistemas digitais, outros
requisitos básicos são estabelecidos para comunidades em rede
[Community Networks] infrastructures’ (BOTTO et al., 2008):

      · cobertura total e acesso ubíquo;
      · acesso a partir de terminais múltiplos (desktops, notebooks, PDAs,
      celulares, etc.);


                                   28
· mobilidade, permitindo roaming dentro da rede;
      · capacidades geoespaciais;
      · qualidade de serviço (definição dos tipos de serviços esperados
      da rede);
      · suporte e plataformas para distribuição de serviços.

    Com preocupações mais socioeconômicas, Mansell e Steinmueller
chamam a atenção para o desenvolvimento da rede considerando
(MANSELL; STEINMUELLER, 2000):

      · design flexível;
      · design inclusivo.

      Em resumo, o objetivo é ter acesso à rede a qualquer hora, a partir
de qualquer terminal, em diferentes formatos, a custo acessível, em ban-
da larga, com um design flexível e inclusivo.
       Dentre as principais possibilidades tecnológicas sem fio, presen-
tes e de um futuro próximo, destacam-se o VSAT (Very Small Aperture
Terminal), Wi-Fi (Wireless Fidelity, IEEE 802.11a/b/g/n), WiMAX
(Worldwide Interoperability for Microwave Access, IEEE 802.16n) e
Wi-Mesh – e por que não as tecnologias 3G? É possível haver uma
combinação destas tecnologias entre si, além do suporte da rede fixa.
(fibra ótica etc.)


d) Modelo de negócio

      Um modelo de negócio pode ser definido como uma ferramen-
ta conceitual que contém um grupo de objetos, conceitos e suas re-
lações com o objetivo de expressar a lógica de negócio de uma em-
presa específica. Portanto, cabe considerar quais conceitos e relações
permitem oferecer aos clientes, como isso será feito e suas


                                    29
consequências financeiras. (OSTENWALDER; PIGNEUR; TUCCI,
2005, p. 5)
      No entanto, a transposição do conceito de modelo de negócio
para o setor público exige cuidados. Isso porque todo modelo de negó-
cio possui o seu respectivo ethos; traduzi-lo para ambiente público de-
manda a reinvenção do vocabulário dado. (ALVES, 2006)
       No caso de redes municipais wireless, pelo mundo afora, é comum se
falar em modelo de negócio. A razão é simples. Muitos projetos envolvem
diferentes arranjos com a iniciativa privada que vão desde a instalação até
a operação da rede. Talvez o conceito de modelo de sustentabilidade finan-
ceira fosse mais adequado. Seja como for, as escolhas feitas (parcerias, for-
necedores, contratos, etc.) sobre “quem paga a conta” podem ter um im-
pacto direto em princípios democráticos importantes, especialmente no
que diz respeito à universalização dos serviços.
      O debate sobre os modelos municipais de negócio para redes sem
fio de acesso à internet gira em torno do reconhecimento do governo
como um “promotor” ou “regulador” desses projetos, uma questão di-
retamente ligada à visão da banda larga como um “bem público” ou algo
para ser resolvido pelo mercado (PICOT; WERNICK, 2007, p. 662-
663); ou, como propõem Gillett e seus colegas, a visão do governo como
um regulador, financiador, desenvolvedor da infraestrutura ou simples-
mente como usuário. (GILLETT; LEHR; OSORIO, 2004)
       Como resumem Daggett (2007) e Hughes (2005), os modelos de
negócio mais comuns são o privado, o público, o franchise e o anchor-
tenant (empresa-âncora). Acrescentaríamos também a possibilidade de
projetos comunitários:

      · Privado

      A provisão da rede banda larga sem fio é mantida por empresas
com fins lucrativos. Nesse caso, o governo tem pouca ou nenhuma auto-
ridade sobre a rede. (DAGGETT, 2007) Eventualmente, as empresas


                                     30
podem se beneficiar do uso de equipamentos públicos para instalação de
antenas, por exemplo, oferecendo alguma contrapartida como acesso
gratuito a serviços municipais.

      · Público

       Em geral, adotado quando o regime de mercado não consegue
garantir a universalização do acesso a custos razoáveis. O governo insta-
la e opera a rede, podendo ou não contratar empresas terceirizadas.

      · Modelo de franquia

       Segundo Daggett, nesse modelo, o governo local garante a uma
empresa privada o uso dos equipamentos e vias públicas por um período
de tempo e a contratada deve oferecer contrapartidas definidas pela
municipalidade. (DAGGETT, 2007, p. 12) Ainda nesse modelo, é possí-
vel uma variação em que o governo investe na infra-estrutura passiva
(torres e backhaul, por exemplo) e permite a instalação e operação por
empresas privadas. (HUGHES, 2005)

      · Empresa-âncora (anchor-tenant)

       Nesse modelo, a municipalidade se torna o principal cliente de
uma empresa que, por sua vez, deve alcançar objetivos de universalização
e de serviços estabelecidos pela municipalidade. Aqui também a prefei-
tura pode favorecer o projeto permitindo o uso de equipamentos públi-
cos e acordar algum tipo de contrapartida em função do resultado finan-
ceiro da rede. (DAGGETT, 2007, p. 12)

      · Comunitário

      Por último, vale a referência ao modelo comunitário. Nesse tipo
de arranjo, a própria comunidade compartilha o seu link de internet


                                   31
entre si. É o que acontece, por exemplo, com os projetos OpenSpark
(http://open.sparknet.fi) e Fon (http://www.fon.com).
       Embora as redes comunitárias tendam a ter sua origem dentro da
sociedade civil, o governo pode servir como catalisador dessas iniciati-
vas. Fica a pergunta: “Por que diabos eu deixaria outras pessoas usarem
gratuitamente o meu ponto de acesso?” A resposta da OpenSpark é dire-
ta: “Porque integrando a comunidade da OpenSpark significa poder usar
o ponto de acessos dos outros.” (OPENSPARK, 2008)
       Para encerrar, é preciso se ter claro que a decisão sobre a entrada
dos governos municipais na provisão de internet sem fio é contingente.
Também não há modelo único de negócio ou tecnológico. No que se
refere à tecnologia, em especial, é sempre importante não ficar restrito a
uma única solução.
      Também é fundamental evitar a sobredeterminação da visão
tecnológica. É preciso ir além da cidade digital e ter uma compreensão
mais abrangente da cidade sonhada. Quem sabe, sonhar com as redes
municipais de internet sem fio a partir de uma cidade educadora ou
sustentável.


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                                   35
ESPECTRO ABERTO E MOBILIDADE
PARA A INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL
Sérgio Amadeu da Silveira


       O artigo discute como o sinal aberto impacta a comunicação sem
fio. Baseando-se em uma análise qualitativa sobre o que está ocorrendo
em algumas cidades brasileiras, busca-se mostrar que a comunicação
gratuita incentiva o uso de computadores e redes, reforçando as relações
sociais locais. Além disso, demonstra igualmente que a atual regula-
mentação das telecomunicações se dá contra o crescimento de redes
wireless abertas. O seu crescimento requer a implementação das redes
abertas no espectro radioelétrico. Defende-se que a implantação de nu-
vens de conexão wireless gratuitas nos municípios pode elevar de modo
exponencial o uso das tecnologias da informação e da internet em locali-
dades onde só havia conexão discada e banda estreita.
       Do mesmo modo que o barateamento e digitalização das câmaras
fotográficas incentivaram a prática da fotografia, a redução ou elimina-
ção do custo de conexão à internet pode incentivar enormemente o seu
uso. Assim como o surgimento dos blogs, plataformas de gerenciamento
de conteúdos baseados em interfaces amigáveis e gratuitas, ampliou enor-
memente a escrita hipertextual e a produção de relatos e notícias na
internet. Além disso, é possível observar vários casos em que a gratuidade
ou baixo custo podem ampliar enormemente o uso das redes de comuni-
cação.


                                   37
Sem dúvida, disso não se pode concluir que tudo aquilo que é
gratuito ou barato será bem sucedido. Quer dizer apenas que no Brasil
existe uma grande demanda reprimida pela comunicação em rede. A
concentração de renda, de um lado, e a pobreza da maioria da popula-
ção, de outro, constituem enormes entraves para a expansão da internet
e de seus serviços no país. Ao mesmo tempo, as comunidades e indiví-
duos mais pobres percebem a importância da internet. Diversos progra-
mas da TV aberta têm disseminado reportagens sobre os benefícios da
rede, o que elevou o interesse dos brasileiros pela comunicação mediada
por computador.
      O potencial de conexão no país é bloqueado por fatores sociais e
econômicos. Em 2007, no Brasil, ainda havia cerca de 14,1 milhões de
analfabetos com idade igual ou superior a 15 anos. O índice de Gini,
que mede a concentração de renda, está em queda desde 2004 (0,547),
mas, em 2007, atingiu 0,528. O percentual de domicílios com algum
tipo de telefone chegou a 77%, enquanto 31,6% desses domicílios pos-
suíam somente os telefones celulares. A mesma pesquisa constatou que
88,1% tinham rádio, 94,5% possuíam televisão, 26,6% contavam com
microcomputador e somente 20,2% dos domicílios tinham acesso à
internet (IBGE, 2007). Segundo a pesquisa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) a população brasileira, em 2007, atingiu
189 milhões de habitantes. Estes dados comprovam as grandes
disparidades existentes no país. (IBGE, 2007)
       É necessário ainda considerar que o custo de comunicação no Bra-
sil é um dos mais elevados do mundo. Segundo o levantamento realiza-
do pela Associação Brasileira de Prestadoras de Serviços de Telecomuni-
cações Competitivas (TelComp), o megabit, no Brasil, chegou a ser vendi-
do por R$ 716,50 por mês, em 2007. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES
COMPETITIVAS, 2007) O megabit comercializado pela Tiscali Italiana
era equivalente a R$ 4,32 mensais. Na França, a Orange cobrava R$
5,02 e nos Estados Unidos da América, era possível pagar R$ 12,75.
Manaus, capital do Estado do Amazonas, tinha o custo da conexão ban-

                                  38
da larga, em 2007, 395 vezes mais cara do que a cidade de Tóquio, no
Japão. (SOUSA; PINHEIRO; ATHAYDE, 2008, p. 28)
      Nesse cenário, as redes Wi-Fi gratuitas, mantidas pelos municípi-
os, podem garantir um espaço de concorrência saudável com as redes de
conexão comerciais mantidas pelas operadoras de telefonia. A pressão da
rede gratuita, com tecnologia barata e sinal amplamente distribuído nas
cidades, pode melhorar a qualidade dos serviços pagos e gerar uma que-
da no preço da conectividade. Se a queda do preço dos computadores,
no Brasil, a partir do programa governamental PC Conectado, elevou
suas vendas (SANDRINI, 2007, p. 28), é possível concluir que a elimi-
nação ou redução do custo das telecomunicações no Brasil pode aumen-
tar enormemente o uso das redes.


NUVENS ABERTAS DE CONEXÃO
      A seguir, analiso três municípios brasileiros que oferecem conexão
gratuita à internet para toda a sua população. São eles: Quissamã, no
estado do Rio de Janeiro; Sud Mennucci, no estado de São Paulo e Tapira,
no estado de Minas Gerais. Quissamã possui 17.376 habitantes distri-
buídos em uma área de 716 km². Sud Mennucci tem 7.714 habitantes
em uma área de 591 km². Por fim, Tapira alcançou 3.509 moradores e
1.184 km² de extensão.
       Os três municípios conseguem atingir 100% de sua área com o
sinal wireless. Quissamã oferece velocidade de conexão de 128 kbps para
pessoas físicas e 256 kbps para empresas. Sud Mennucci assegura 256
kbps para os moradores, independente de seu estatuto jurídico. Tapira
garante conexão superior a 64 kbps para toda a população.
      A Prefeitura de Sud Mennucci gastou para implantar o projeto
R$ 18.000,00 e depois R$ 70.000,00 para ampliar a velocidade, segu-
rança e estabilidade da rede wireless. Já a Prefeitura de Tapira gastou R$
5.000,00 com equipamentos e antenas para a infra-estrutura de cone-
xão. O custo de implantação e manutenção de Quissamã não foi divul-


                                   39
gado. O custo mensal de conexão pago pela Prefeitura de Sud Mennucci
para a Operadora de Telecom é de R$ 5.800,00. Tapira paga R$ 7.900,00
mensais pelo sinal de internet.
       Utilizando o mecanismo do Netcraft é possível identificar que o
portal municipal tanto de Quissamã como de Sud Mennucci utilizam
servidores Linux e web servers Apache. O software livre é utilizado na
rede desses municípios. Os telecentros - locais de acesso público à internet
a partir de computadores desktops disponíveis gratuitamente para a po-
pulação - em Quissamã também são mantidos pela Prefeitura Municipal
e utilizam GNU/Linux nos seus desktops.
       Nos três municípios, após a implantação do acesso wireless gratui-
to, ocorreu a elevação rápida e expressiva do número de usuários da
internet. Tapira multiplicou por seis o número de residências conectadas
à internet, Quissamã multiplicou por 8 e Sud Mennucci multiplicou por
28, o que representa um crescimento surpreendente.

                        QUISSAMÃ             SUD MENNUCCI                  TAPIRA

     Ano de                  2004                     2003                   2005
   implantação

 Penetração da
 internet antes        200 residências           30 residências        50 residências*
 da implantação

   Penetração
   da internet        1.600 residências          840 residências       300 residências
    em 2008

  Crescimento              8 vezes                  28 vezes                6 vezes


Quadro 1: Aumento do número de residências com internet
Fonte: Edital de Cidades Digitais: contribuições estão sendo analisadas (2009) extraídos dos
relatos das Prefeituras no http://www.guiadascidadesdigitais.com.br
* Estimativa com base no número de computadores que existiam na cidade. Como havia
somente 50 computadores, no máximo 50 residências poderiam ter acesso à internet.
Provavelmente isto não ocorria.


                                            40
A velocidade de crescimento do número de residências conectadas
nestes municípios é bem superior a obtida pelo mercado se observarmos
o crescimento ocorrido na média nacional de conexão, registrada na pes-
quisa promovida pelo Comitê Gestor da internet no Brasil. A proporção
de domicílios com acesso à internet no Brasil saltou de 14,49%, em
2006, para 17%, em 2007. Tapira, com a menor média observada entre
os três municípios aqui citados, em menos de três anos de acesso gratui-
to obteve um crescimento de 500%.
      A formação de nuvens abertas de conexão no Brasil pode incenti-
var não somente a aquisição de computadores como também a
conectividade. A gratuidade da comunicação em rede para toda a popu-
lação pode ainda melhorar os usos educacionais e culturais, aprimorar
ainda mais os serviços de governo eletrônico, bem como ampliar a inser-
ção das comunidades locais no comércio eletrônico global. Na era
informacional, a comunicação deve ser pensada como direito e não so-
mente como negócio, ou seja, a gratuidade ajuda a consolidar a ideia da
comunicação como um direito humano essencial.


O POTENCIAL DO OPEN SPECTRUM
       O modelo de regulamentação do uso do espectro eletromagnético
ganha importância cada vez maior devido ao processo de convergência
digital, e às inúmeras possibilidades da computação ubíqua e da expan-
são da comunicação móvel, principalmente se os municípios brasileiros
seguirem o exemplo das cidades de Quissamã, Sud Mennucci e Tapira e
passarem a implementar nuvens de conexão aberta à internet.
        No Brasil, o espectro de radiofrequências está sob o controle do
Estado e só pode ser utilizado de acordo com o Plano de Atribuição,
Destinação e Distribuição de Faixas de Frequências no Brasil (PDFF). A
Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) foi incumbida de admi-
nistrar a utilização do espectro de radiofrequências, regulamentando e
fiscalizando o seu uso. Assim, cada faixa de radiofrequência foi definida


                                   41
para uma determinada aplicação ou serviço, de acordo com o referido
plano. Ele foi recentemente alterado para incorporar a implantação da
TV Digital no Brasil.
      No dia 29 de junho de 2006, o presidente do Brasil, Luiz Inácio
Lula da Silva, assinou o Decreto Nº 5.820 que definiu as regras de im-
plantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-
T) e da plataforma de transmissão e retransmissão de sinais de radiodi-
fusão de sons e imagens. O Decreto interfere na ocupação do espectro
radioelétrico brasileiro. O período de transição do sistema de transmis-
são analógica para o SBTVD-T será de dez anos, contados a partir da
publicação do Decreto. Durante este período de transição, ocorrerá a
veiculação simultânea da programação em tecnologia analógica e digi-
tal. Os canais utilizados para transmissão analógica serão devolvidos à
União após o prazo de transição. Estes canais são as faixas de freqüência
do espectro eletromagnético que vão de 54 a 88 MHz (canais de 2 a 6) e
de 174 a 216 MHz (canais 7 a 13).
       Nos próximos anos, o país debaterá o que deverá ser feito com as
faixas de frequência que serão desocupadas quando se encerrarem as
transmissões analógicas da TV Existe a possibilidade de que possam ter
                              .
um uso comum, ou seja, algumas entidades da sociedade civil defendem
que aquelas faixas sejam destinadas para o uso livre e comum. Esta rei-
vindicação é chamada de open spectrum.

                         O aparelho de transmissão digital controlado por
                         software pode escanear ou varrer o espectro em busca
                         da melhor frequência para o envio das ondas em de-
                         terminado momento. Do mesmo modo, os aparelhos
                         receptores digitais podem escanear constantemente
                         o espectro para sintonizar uma estação específica e
                         acompanhá-la, mesmo quando ela muda de
                         frequência. Assim, não é necessário tornar o espectro
                         uma propriedade privada de alguns. É possível
                         transformá-lo em um espaço comum. Uma via em



                                   42
que muitos podem passar, ou seja, transmitir seus si-
                                nais, respeitando os padrões de interesse público.
                                (SILVEIRA, 2007, p. 50)

       O argumento que justifica o controle estatal do espectro é que as
radiofrequências são um recurso escasso, limitado. Por isso, os Estados
majoritariamente utilizam o modelo de exploração baseado em conces-
sões e permissões cedidas ao setor privado, em geral, por meio de leilões.
Esse seria o melhor modo de impedir a caótica interferência no uso do
espectro. Assim, evitaria-se a denominada tragedy of commons, ou seja, o
uso ineficiente de um recurso causado pelo seu emprego excessivo e
descoordenado. Entretanto, diversos pesquisadores consideram que o
controle estatal ocorreu por outras razões. “Gestores políticos na déca-
da de 1920 não direcionavam o interesse público para a alocação do
espectro de rádio através da ideia de caos das ondas aéreas. O que acon-
tecia era justamente o oposto; o caos era estrategicamente utilizado para
obter alocação do interesse público.”72 (HAZLETT, 2001, p. 95)
       As tecnologias digitais possibilitam o uso mais inteligente e efici-
ente do espectro, neutralizando os possíveis ruídos e interferências. Trans-
missores e receptores digitais, software-defined radio, smart radio, podem
superar as restrições e interferências do mundo analógico. Existem vári-
as tecnologias de uso simultâneo de uma mesma radiofrequência por
diversos usuários. Por exemplo, até a tecnologia Code Division Multiple
Access (CDMA) já permitia que diversos celulares transmitissem ao
mesmo tempo na mesma freqüência sem interferência entre eles, pois
seus sinais são separados por códigos.

                                Atualmente, a capacidade do sistema de transmitir
                                informações úteis aumenta. O mesmo espectro pode
                                realizar mais comunicações. A inteligência dos dispo-

72
   “Policy makers in the 1920s were not driven to public interest allocation of radio spectrum
by airwave chaos. Just the opposite; chaos was strategically used to procure public interest
allocation.” (Tradução o editor)


                                             43
sitivos está substituindo a capacidade de força bruta
                                existente entre eles. Imagine como seriam as auto-
                                estradas se os carros não pudessem ser manobrados
                                rapidamente para evitar colisões e desacelerações. Te-
                                riam que haver grandes pára-choques entre cada veí-
                                culo para prevenir acidentes, […] precisamente o que
                                existe no espectro hoje.73 (WERBACH, 2003, p. 19,
                                tradução do editor)

       Os canais utilizados para transmissão analógica da TV brasileira
serão devolvidos à União e podem ser colocados à disposição de toda a
sociedade para transmissões digitais. Estes canais, faixas de frequência
de excelente qualidade, podem tornar-se uma grande via comum para as
comunidades, municípios e os diferentes agrupamentos garantirem a
diversidade cultural e o efetivo direito à comunicação, a partir do acesso
direto ao espectro radioelétrico.


CONCLUSÃO
       Existem três tipos puros de uso do espectro radioelétrico: as con-
cessões estatais; a privatização com a formação de mercados secundários
de espectro e o open spectrum ou commons. O modelo de concessões estatais
é o que foi descrito anteriormente. O modelo de privatização do espec-
tro pretende tratá-lo como um bem privado qualquer. Desse modo, as
faixas de frequência seriam vendidas pelo Estado a agentes privados que
poderiam usá-las da forma mais rentável possível, inclusive vendendo-as
ou alugando-as em um mercado secundário. O terceiro modelo é o base-
ado nos commons. O que ele quer chama-se espectro aberto por garantir

73
  “Nowadays, ‘the capacity of the system to transmit useful information increases. The same
spectrum can hold more communications. The intelligence of devices is substituting for brute-
force capacity between them. Imagine what highways would be like if cars couldn’t be steered
quickly to avoid collisions and slowdowns. There would have to be huge buffers between each
vehicle to prevent accidents [...] precisely what exists in the spectrum today“.



                                            44
que todos possam usar as frequências como vias públicas. Caberia ao
Estado definir regras de ordem técnica para assegurar o uso comum das
frequências, tais como limites de potência, homologação de equipamen-
tos, orientação para o melhor uso de protocolos de comunicação em
determinadas bandas. Tal como em uma avenida, o Estado permite que
todos os cidadãos possam por ela transitar desde que respeitando as
regras de trânsito.
      O modelo atual é pouco eficiente e gera um poder demasiado para
os controladores da infraestrutura de telecomunicações, ou seja, para
aqueles que detêm o direito do uso exclusivo de faixas do espectro. O
modelo aqui denominado de privatização do espectro agrava os proble-
mas de ineficiência e concentração de poder em poucas mãos.

                                A escolha entre proprietários e redes de dados sem fio
                                baseadas no compartilhamento, ganha um novo sig-
                                nificado diante da estrutura de mercado das redes com
                                fio e o poder por ela fornecido aos donos de redes ban-
                                da-larga para controlar o fluxo de informação na gran-
                                de maioria dos lares. Sistemas sem fio baseados no
                                compartilhamento se tornam a forma legal primária
                                da capacidade de comunicação que não submete sis-
                                tematicamente seus usuários à manipulação por um
                                proprietário da infraestrutura74. (BENKLER, 2006,
                                p. 154, tradução do editor)

       O modelo baseado nos commons é tecnicamente viável e pode am-
pliar a diversidade cultural. Pode ainda reduzir os custos da comunica-
ção, incentivar a produção local e a descoberta de novos usos e o desen-


74
   The choice between proprietary and commons-based wireless data networks takes on new
significance in light of the market structure of the wired network, and the power it gives
owners of broadband networks to control the information flow into the vast majority of homes.
Commons-based wireless systems become the primary legal form of communications capacity
that does not systematically subject its users to manipulation by an infrastructure owner.


                                            45
volvimento de interfaces de comunicação wireless. Permitirá que dentro
de uma localidade seja formada com muito mais eficiência redes mesh e
grande nuvens de conexão aberta, o que viabilizará a telefonia móvel
gratuita entre os habitantes daquelas localidades. A fusão da voz sobre
IP (VoIP) com o sinal aberto nas melhores faixas de propagação do es-
pectro pode incentivar a comunicação e a produção cultural e econômi-
ca local. Esta hipótese é reforçada pelo impacto que a comunicação wireless
gratuita causou nos três municípios aqui analisados. Kevin Werbach
alertou:

                                  Melhorar bandas não-licenciadas já existentes não é
                                  suficiente. A maioria é tão estreita e congestionada
                                  que sua utilidade para o espectro aberto é limitada.
                                  Além disso, a alta frequência das mais proeminentes
                                  bandas não-licenciadas limita a propagação do sinal.
                                  Espectros de baixa frequência que penetram através
                                  de variações climáticas, coberturas arbóreas e muros,
                                  iriam prover vantagens significantes a serviços como
                                  a conectividade em banda-larga de última milha.75
                                  (WERBACH, 2002, p. 16, tradução do editor)

       Nesse sentido, o Brasil pode dar um salto no uso do espectro. Boa
parte das melhores frequências do espectro será devolvida ao Estado
quando as transmissões analógicas da TV forem encerradas. Cabe aos
pesquisadores da comunicação mostrar à sociedade brasileira as possibi-
lidades de transformar estas faixas do espectro em uma grande via pú-
blica, em um espaço aberto. Isto poderá ampliar o potencial criativo
comunicacional, tecnológico e cultural da sociedade brasileira.


75
   Improving existing unlicensed bands isn’t enough. Most are so narrow and congested that
their utility for open spectrum is limited. Furthermore, the high frequency of the most prominent
unlicensed bands limits signal propagation. Lower-frequency spectrum that penetrates weather,
tree cover, and walls would provide significant advantages for services such as last-mile broadband
connectivity.


                                               46
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wealth_of_networks/index.php?title=Download_PDFs_of_the_
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sistema de transmissão analógica para o sistema de transmissão digital
do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de
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<http://www.cetic.br>. Acesso em: 27 jul. 2009.
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso
das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e
TIC Empresas 2007. 2. ed. São Paulo: Centro de Estudos sobre as
Tecnologias da Informação e da Comunicação - CETIC.br, 2008.
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Disponível em: <http://www.guiadascidadesdigitais.com.br/site/
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HAZLETT, T. The wireless craze: the unlimited bandwidth myth, the
spectrum auction faux pas, and the punchline to Ronald Coase’s ‘big



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SOUZA, A. P.; PINHEIRO, D.; ATHAYDE, P O Brasil cai na rede.
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COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. http://
www.cg.org.br/
GUIA DAS CIDADES DIGITAIS. http://
www.guiadascidadesdigitais.com.br/site/



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QUISSAMÃ. http://www.quissama.rj.gov.br/
SUD MENNUCCI. http://www.sudmennucci.sp.gov.br/
TAPIRA. http://www.tapira.mg.gov.br/




                               49
IDENTIDADE, VALOR E MOBILIDADE:
por uma iconomia dos motoboys em São Paulo
Gilson Schwartz


                        O homem nasce livre e em toda parte ele é
                        acorrentado. Muitas vezes um homem acredita ser o
                        mestre de outros, o que o torna nada mais que um
                        escravo. Como esta mudança ocorreu? Eu não sei.
                        Como posso legitimá-la? Para esta questão eu espero
                        conseguir dar uma resposta.
                                                 Rousseau , O Contrato social




TECNOLOGIA, SEMIÓTICA E CÓDIGO: o valor dos
ícones
       Somente 2,6% da população tem o hábito de navegar na internet
brasileira, comparados a 15,6% nos EUA. O Brasil possui menos de um
quarto da intensidade do fenômeno de web mobile em relação a socieda-
des mais desenvolvidas. Entretanto, a penetração do telefone móvel é
elevada, com 140 milhões de telefones e variada gama de serviços por
toda a extensão continental do Brasil. O acesso à internet cresceu com
lan houses e as condições de custo e crédito para bens de informática
melhoraram.


                                  51
No entanto, permanece a dúvida: toda esta inclusão digital (em
especial para as chamadas classes C, D e E) representa emancipação ou
nova escravidão?
       O impacto social e econômico do celular é condicionado e estimu-
lado por todas as mudanças simultâneas em outros canais de comunica-
ção (rádio, TV imprensa, cinema, Web 2.0) em um sistema do mercado
              ,
que se move rápido do industrial para redes de serviços. Os níveis eleva-
dos das tarifas de telecomunicações no Brasil, no entanto, contribuem
para que os padrões de desigualdade de renda sejam reproduzidos, se-
não agravados, pela modalidade concentradora de inclusão digital e
midiática no país.
       Na economia do audiovisual digital, nem oferta e demanda, nem
emissão e recepção bastam como categorias bipolares para apreender
fenômenos triádicos da informação e da comunicação – definitivamente,
o espaço-tempo foi alterado e é cada vez mais plasmado pelos ícones
digitais que configuram uma autêntica “iconomia”.
      No capitalismo cognitivo ou “do conhecimento”, as redes são
tecnológicas e sua apropriação depende da habilidade para formar
metaredes para a gestão das mídias audiovisuais que configuram e ex-
ploram ícones típicos do hibridismo entre mundos virtuais e reais.
      Plataformas tecnológicas e modelos de negócios orbitam em tor-
no de inteligências semióticas que suspendem recorrentemente as hie-
rarquias e recriam gradientes de informação imperfeita, assimetrias de
atenção e enquadramentos do gozo. Ou seja, o dinamismo da “iconomia”
depende da introdução sistemática de inovações e desequilíbrios
tecnológicos nas interfaces entre seres humanos, máquinas e meio-am-
biente.
       A acumulação de ativos (e passivos) intangíveis por corporações e
Estados, assim como as novas estruturas e ideologias da governança e da
esfera pública relacionadas à promoção do conhecimento e da cultura
repousam todas sobre uma energia instável e se abrem a uma incerteza
estrutural que resulta da própria imaterialidade da informação. Essa eco-

                                   52
nomia da informação constitui mercados em que as assimetrias são or-
ganizadas por meio de ícones e essa superestrutura icônica é tão volátil
quanto às estruturas supostamente mais estáveis reguladas pelo Estado
ou as aparentemente livres como nos mercados autorregulados do siste-
ma financeiro e da mídia.
       A crise global mais recente reforça essa incerteza estrutural do
novo capitalismo e desafia tanto teóricos quanto pesquisadores empíricos.
Pode ser também a crise final da transição entre a economia industrial e
as redes de serviços que definem as fronteiras de acumulação material e
imaterial de uma “iconomia”, justificando a definição de um programa
de pesquisas cujo foco está em decifrar o valor de ativos e mercados que
se criam, reproduzem e destroem a partir ou animados por fluxos comu-
nicativos.
       A busca de uma nova teoria do valor da comunicação e da infor-
mação é o horizonte no qual se enquadram temas como a “virada icônica”
(depois do linguistic turn, um iconic turn ou Ikonische Wende) nas ciências
sociais. As inovações que caracterizam a evolução da internet, gerando
tanto prodígios de P&D (como o projeto genoma, os grids computacionais
e as “nuvens” digitais) quanto grandes blockbusters no mercado de interfaces
mediais (como My Space, Orkut, Napster, Bit Torrent, Second Life, Twitter ou
i-Tunes).
       Mais que a expansão do potencial da criação de mercados e de
riqueza das tecnologias de informação e comunicação (TIC), os modos
de marcação (midiática) a mercado do conhecimento escondem a chave
de leitura numa perspectiva iconômica.
      Uma percepção mais fina da criação e da distribuição de valor
na sociedade em rede requer atenção ao ícone enquanto ativo em rede
que sustenta a inovação na gestão da identidade e da riqueza ampa-
rada em infraestruturas digitais de produção, distribuição e financi-
amento. É um cenário complexo cuja compreensão requer conheci-
mentos da engenharia, da economia e dos negócios, da semiótica e
da midialogia.


                                    53
Nessa nova “iconomia”, apenas parcial e aparentemente horizon-
tal e aberta, os novos excluídos passam a enfrentar mais uma barreira à
entrada que vai além do acesso ou do uso competente da tecnologia em
si mesma: o valor depende do potencial icônico apropriado com maior
ou menor competência pelos grupos de usuários criativos das e-
infraestruturas.


MOBILIDADE COMO ÍCONE
      No caso específico do segmento do motofrete (que emprega os
motoboys), vive-se num estado de fluxo em que serviços absolutamente
essenciais para milhões de pessoas desempenham na vida urbana um
papel análogo ao da circulação sanguínea na sustentação da vida indivi-
dual.
      No entanto, os próprios motoboys transformaram-se num ícone que
funciona como objeto de ódio e causador de desordem, morte e fatalida-
de (acidentes são frequentes, com mais de uma vitima por dia nas ruas
de São Paulo). São referidos como expressões do mal, do feio e do pobre,
do desqualificado e do infrator.
       O fato, dada a superpopulação dos espaços urbanos, é que a
mobilidade física (e a falta dela) transforma-se em vantagem compe-
titiva, ou seja, plataforma de negócios para inúmeras redes de servi-
ços. As assimetrias tecnológicas do transporte e da comunicação tor-
nam-se mutuamente funcionais, gerando valor pela exploração do
tráfego sobrecarregado e da má qualidade de vida em megacidades
pós-industriais.
       Inserido numa camada social que se aproxima da grande massa
das classes C, D e E, o motoboy é saudado como fonte de mobilidade e
como um empecilho à própria mobilidade e ao comportamento civiliza-
do em nossas superpopulosas cidades. Uma descrição interessante do
fenômeno motoboy em sua relação paradoxal com a sociedade a que
serve foi publicada no New York Times por Larry Rohter, com título que


                                  54
resume bem a imagem do motoboy (Pedestrians and Drivers Beware! Motoboys
Are in a Hurry):

                         Em uma cidade com quase 11 milhões de habitantes
                         e 4.5 milhões de carros, 32 mil táxis e congestiona-
                         mentos de tráfego com mais de 100 quilômetros, não
                         raro cruzar a cidade pode demorar mais de duas ho-
                         ras. Somente um grupo na maior cidade da América
                         do Sul parece imune a tais frustrações e atrasos: o exér-
                         cito audaz dos mensageiros da motocicleta conheci-
                         dos como ‘motoboys’. Esta vantagem comparativa,
                         entretanto, vem com um custo, porque incansáveis
                         velocistas, zigue-zagueando entre os carros parados,
                         ignorando a sinalização das vias, eles ameaçam regu-
                         larmente pedestres, enfurecem motoristas enquanto
                         zumbem entre faixas nas ruas e estradas. (ROHTER,
                         2004)

      Rohter adicionou mais comentários reveladores:

                         […] muitos motoboys, especialmente mais novos,
                         veem-se como os espíritos livres ou cowboys urba-
                         nos, desafiando as convenções da sociedade e inveja-
                         dos pelos assalariados padrão metidos em carros e es-
                         critórios. […] Todos odeiam os motoboys exceto
                         quando necessitam um eles mesmos, disse Caíto Ortiz,
                         diretor de ‘Motoboys: Vida louca’, um documentário
                         recentemente premiado. (ROHTER, 2004)

       Em suma, a mobilidade é um ícone da pós-modernidade e uma
vantagem individualmente batalhada pelos indivíduos competidores em
espaços urbanos, uma rede viva de agentes móveis é afinal necessária,
ainda que paradoxalmente ao mesmo tempo descartável e mórbida, emer-
gem matizes de uma “luta de classes” entre aqueles que podem se mo-
ver, os motoboys, e aqueles que são mais pegajosos, lentos ou regulados,


                                    55
os motoristas de carros e outros veículos e, finalmente, até os pedestres
(há roubos frequentes de pedestres por indivíduos atuando em duplas
sobre motocicletas). Radicaliza-se a oposição entre a estrutura de um
mundo sticky (pegajoso) e as redes flexíveis, os espaços modulares, os
fluxos imateriais, as ondas virais, “meme-rizáveis” e contagiosas. (Cf.
JENKINS, 2009)
      A importância da mobilidade como um recurso estratégico vital
nas sociedades constituídas “por projetos” foi discutida exemplarmente
por Boltanski e por Chiapello (1999):

                           Em um mundo reticular, o projeto é a ocasião e a ra-
                          zão para a conexão […] Os projetos fazem a produ-
                          ção e a acumulação possível em um mundo que, fos-
                          sem puramente conectivo, conteria simplesmente os
                          fluxos, nada poderia ser estabilizado, acumulado ou
                          cristalizado.

      Enquanto um trabalhador contribui sem ter acesso aos frutos da
acumulação de capital no modo de produção industrial, o motoboy é um
agente dos fluxos e contribui ao processo de reprodução capitalista em
rede nas megacidades, está sempre no lado “do córrego infinito de asso-
ciações efêmeras”, enquanto os clientes, os empreendedores e as autori-
dades que regulam o trânsito do motofrete dedicam-se a sugar seus
benefícios e a gozar os frutos acumulados fora do fluxo (a pizza na mesa,
o pagamento no banco, a droga em casa).


MOTOANJOS: nascimento de um ícone
       O Canal Motoboy foi lançado em maio de 2007 como um projeto
de arte pública por Antoni Abad, um artista espanhol que utiliza a
tecnologia digital na arte do vídeo e da instalação e trabalha em diversos
países com grupos discriminados tais como imigrantes, indivíduos com
necessidades especiais, prostitutas, ciganos, taxistas e motoboys. De acor-


                                    56
do com Osava (2008), Abad persuadiu inicialmente 12 motoboys para
gravar sua vida diária usando as câmeras dos seus celulares.
       Os acidentes, os crimes, a poluição da água, os congestionamen-
tos, arte da rua (como o grafitti) e outros eventos compõem um diário
visual cujas fotos, vídeos ou textos curtos são imediatamente lançados
no site do Canal Motoboy. O primeiro líder do grupo, Eliezer Muniz, um
motoboy graduado em Filosofia na Universidade de São Paulo, criou um
grupo de estudo e passou a promover eventos em favor da identidade e
da cultura dos motoboys.
       O sonho de Muniz era o de viabilizar “10 mil motoboys” relatando
através de SMS, fotos e vídeos de todo o país, criando uma agência de
notícias que ofereceria um diferencial, um ponto de vista mais democrá-
tico da vida urbana. A revolução cultural dos motoboys (The Motoboys’ Cultu-
ral Revolution) foi a manchete da edição do Le Monde Diplomatique de
maio de 2008 sobre um evento cultural promovido pelo “Canal
Motoboy”.
      No encerramento do projeto de Abad, fui convidado a participar
de um debate sobre os efeitos da inclusão digital dos motoboys por meio
de celulares. Sem emitir juízo sobre o projeto artístico em si, o fato é que
minha própria agenda de pesquisa sobre tecnologia e cidade ganhou
uma nova inquietação diante do desafio não apenas de “usar” a cultura
motoboy como um ingrediente numa performance (no lugar da tinta no
pincel, a imagem captada por um motoboy fica registrada no site, no livro
ou no manifesto artístico), como um sujeito/objeto passivo, mas de con-
vidar os motoboys a de fato se posicionarem como sujeitos, colocando-os
na condição de criadores de ícones e empreendedores de projetos
emancipatórios.
       Da arte à ciência social, surgiu assim uma nova agenda de pesqui-
sa, desenvolvimento e inovação para a “Cidade do Conhecimento”, pos-
sível na medida em que se possa inquirir sobre o que resultaria dos
fluxos de motoboys se eles próprios se apropriassem (por exemplo, pelo
uso dos celulares) dos potenciais de valor gerados pelas assimetrias icônicas


                                     57
Comunicação e mobilidade: aspectos socioculturais
Comunicação e mobilidade: aspectos socioculturais
Comunicação e mobilidade: aspectos socioculturais
Comunicação e mobilidade: aspectos socioculturais
Comunicação e mobilidade: aspectos socioculturais
Comunicação e mobilidade: aspectos socioculturais
Comunicação e mobilidade: aspectos socioculturais
Comunicação e mobilidade: aspectos socioculturais
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  • 1. Comunicação e mobilidade aspectos socioculturais das tecnologias móveis de comunicação no Brasil
  • 2. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Reitor Naomar Monteiro de Almeida Filho Vice-Reitor Francisco José Gomes Mesquita EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Diretora Flávia Goullart Mota Garcia Rosa Conselho Editorial Titulares Ângelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby Alves da Costa Charbel Ninõ El-Hani Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti José Teixeira Cavalcante Filho Alberto Brum Novaes Suplentes Antônio Fernando Guerreiro de Freitas Evelina de Carvalho Sá Hoisel Cleise Furtado Mendes Maria Vidal de Negreiros Camargo
  • 3. ANDRÉ LEMOS FABIO JOSGRILBERG Organizadores Comunicação e mobilidade aspectos socioculturais das tecnologias móveis de comunicação no Brasil EDUFBA Salvador, 2009
  • 4. ©2009 by Organizadores Direitos de edição cedidos à Editora da Universidade Federal da Bahia - EDUFBA Feito o depósito legal Normalização Adriana Caxiado Flávia Garcia Rosa Editoração eletrônica e Capa Rodrigo Oyarzábal Schlabitz Sistema de Bibliotecas - UFBA Comunicação e mobilidade : aspectos socioculturais das tecnologias móveis de comunicação no Brasil / André Lemos, Fabio Josgrilberg organizadores. - Salvador : EDUFBA, 2009. 156 p. ISBN 978-85-232-0658-1 1. Comunicação de massa - Aspectos sociais - Brasil. 2. Comunicação e cultura - Brasil. 3. Mídia digital - Aspectos sociais - Brasil. 4. Tecnologia da informação - Aspectos sociais – Brasil. I. Lemos, André. II. Josgrilberg, Fabio. CDD - 302.230981 Asociación de Editoriales Universitarias Associação Brasileira de de América Latina y el Caribe Editoras Universitárias EDUFBA Rua Barão de Jeremoabo, s/n - Campus de Ondina, 40170-115 Salvador-BA Tel/fax: (71) 3283-6164 www.edufba.ufba.br edufba@ufba.br
  • 5. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.................................................................................................07 André Lemos, Fabio Josgrilberg COMUNICAÇÃO MÓVEL NO CONTEXTO BRASILEIRO.......................11 Eduardo Campos Pellanda REDES MUNICIPAIS SEM FIO: o acesso à internet e a nova agenda da cidade.......................................................................................................................19 Fabio B. Josgrilberg ESPECTRO ABERTO E MOBILIDADE PARA A INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL...........................................................................................................37 Sérgio Amadeu da Silveira IDENTIDADE, VALOR E MOBILIDADE: Motoboys em São Paulo.............51 Gilson Schwartz TECNOLOGIAS MÓVEIS COMO PLATAFORMAS DE PRODUÇÃO NO JORNALISMO......................................................................................................69 Fernando Firmino da Silva ARTE E MÍDIA LOCATIVA NO BRASIL.........................................................89 André Lemos APROXIMAÇÕES ARRISCADAS ENTRE SITE-SPECIFIC E ARTES LOCATIVAS........................................................................................................109 Lucas Bambozzi REVISITANDO O CORPO NA ERA DA MOBILIDADE.........................123 Lucia Santaella VÍDEO-VIGILÂNCIA E MOBILIDADE NO BRASIL..............................137 Fernanda Bruno SOBRE OS AUTORES......................................................................................153
  • 6.
  • 7. APRESENTAÇÃO André Lemos Fabio Josgrilberg A história deste livro, de alguma maneira, é um registro das posssibilidades do atual período técnico. Os textos foram reunidos em movimento e a distância. Para registrar o tal do “zero fictício” de uma narrativa histórica, poderíamos situar o início da empreitada no convite feito a nós por Kim Sawchuk, editora do Wi-Journal of Mobile Media (http://wi.hexagram.ca), para coeditar uma edição especial sobre mídias móveis no Brasil. No início do trabalho editorial, tratava-se de um conexão Canadá-Inglater- ra-Brasil. Kim, na Universidade Concordia, André como pesquisador- visitante nas Universidades de Alberta e McGill, todas instituições ca- nadenses e, do outro lado, Fabio como pesquisador-visitante na London School of Economics and Political Science, em Londres. Depois de algu- mas discussões, chegamos aos nomes dos autores que estão aqui neste livro. Todos eles de diferentes partes do Brasil, com suas respectivas atividades e instituições. Durante o primeiro semestre de 2009, reunimos os textos e dis- cutíamos com Kim, em ano sabático, mas participando do processo colaborativo. Kim em deslocamentos para uma série de conferências e reuniões pelos Estados Unidos, Itália e Polônia. O projeto de edição seria concluído após a volta de André e Fabio ao Brasil, no segundo 7
  • 8. semestre de 2008. Continuamos a trabalhar, André e Fabio na Bahia e em São Paulo, respectivamente, como bases, mas também em viagens pelo Brasil. Fechamos tudo com uma visita de Kim a São Paulo e o recebimento dos artigos enviados pelos autores. Depois veio o processo de avaliação dos textos por pareceristas canadenses e brasileiros e a pu- blicação da versão em inglês do projeto no Wi-Journal of Mobile Media em agosto de 2009. Os textos aqui reunidos e apresentados são versões em português desse material, em alguns casos com adaptações para o público brasileiro. Por mais que isso seja comum nos dias de hoje, não deixa de ser fascinante o fato de que todo o projeto de edição se desdobrou com apenas uma única reunião presencial em São Paulo, de cerca de duas horas, e que a maior parte do processo colaborativo tenha ocorrido pela internet, com os organizadores em viagens e deslocamentos os mais di- versos. Este livro foi construído utilizando as tecnologias da mobilidade: celulares, laptops, redes Wi-Fi... Foram inúmeros e-mails de aeroportos, cafés, hotéis, universidades... A obra que o leitor tem em mãos discute o papel cultural, sociocomunicacional e artístico das tecnologias da mobi- lidade; sendo feito, ele mesmo, em mobilidade. Este livro foi produzido em movimento, cheio de trajetórias inusitadas que não impediram o encontro de ideias, projetos e sonhos. Mas falar de tecnologias móveis, mídias móveis, espaço urbano e mobilidade no Brasil exige uma visão aguçada e atenta aos diversos pa- radoxos deste país. É isso que nos explica Eduardo Pellanda em seu texto. Apesar do imenso mercado interno, temos um dos mais caros serviços de telecomunicações do mundo (telefonia fixa, telefonia móvel e banda larga). O custo médio desse pacote coloca o país na 91ª posição no ranking geral (price basket) da International Telecommunications Union, ocupando a 114ª posição no custo da telefonia móvel, 77ª posição no custo da banda larga. O ranqueamento é feito do mais barato para o mais caro entre 150 países – nem entramos aqui no custo dos terminais de acesso móvel (smartphones, notebooks, etc.). Diante de tal cenário, nú- meros oficiais indicavam em junho de 2009 a existência de 159.613.507 8
  • 9. acessos ao Serviço Móvel Pessoal (SMP), sendo 130.596.366 (81,82%) na modalidade pré-pago e 29.017.141 (18,18%) pós-pago. Do total de acessos (pré e pós), 1.903.030 operavam com o padrão WCDMA (3G). Por outro lado, dados de 2008 indicam apenas 20% de acesso domiciliar à internet em áreas urbanas. Os paradoxos do mercado de telecomunicações brasileiro são ape- nas alguns dos problemas tratados neste livro. Outros desafios locais também foram motivo de atenção, em especial a questão da vigilância nas sociedades atuais, em texto de Fernanda Bruno, ou a gestão do es- pectro eletromagnético, tratada por Sérgio Amadeu da Silveira, tendo em vista a questão da inclusão digital. Nesse mesmo ponto, Fabio B. Josgrilberg mostra os dilemas e tendências da entrada de governos mu- nicipais na oferta de redes sem fio de acesso à internet. Contudo, apesar das dificuldades econômicas, políticas e tecnológicas, as mídias móveis alimentaram diversos projetos inovado- res e criativos no Brasil. As possibilidades das mídias locativas foram exploradas por André Lemos e Lucas Bambozzi, mais no contexto da arte eletrônica com as mídias locativas, e também por Gilson Schwartz, que aborda o projeto dos Motoboys em São Paulo, mostrando como as mídias móveis podem ajudar a reinventar as relações sociais no espaço urbano, mais precisamente no tráfego caótico de São Paulo. Fernando Firmino da Silva, por sua vez, discute como as recentes formas de comunicação móvel provocam mudanças no jornalismo, tanto na prática dos jornalistas como na estrutura organizacional das redações e das empresas jornalísticas. Assim como as tecnologias da mobilidade exigem novos esforços teóricos para pensar o jornalismo, o texto de Lu- cia Santaella amplia o debate e trata dos possíveis desenvolvimentos teóricos que se fazem necessários frente às novas relações humanas com as mídias móveis. O leque de discussão é amplo. Reunimos neste livro o que há de melhor no Brasil na área das tecnologias móveis de comunicação. Al- guns pesquisadores importantes ficaram de fora, mas novos livros virão. 9
  • 10. Tentamos, nesse primeiro movimento, reunir um conjunto de pesquisa- dores, e suas respectivas instituições, que tem, no campo da comunica- ção, desenvolvido um pensamento de ponta, inovador, de pesquisa e formação de recursos humanos no país na área das mídias móveis. Preci- samos, efetivamente, enfrentar esta que é a nova onda da revolução da informática no campo social: os serviços e tecnologias baseados em mo- bilidade e localização. Por fim, gostaríamos de agradecer ao corpo edito- rial do Wi-Journal of Mobile Media pelo suporte dado para a versão ingle- sa do projeto, em especial à Kim Sawchuk, a primeira pessoa a vislum- brar esta pequena coleção de textos. Desejamos a todos uma excelente leitura, ansiosos por manter o debate sobre os temas aqui tratados em outros fóruns... sempre em movimento. REFERÊNCIAS ANATEL. Telefonia celular alcança 159,6 milhões de assinantes em junho. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/Portal/ exibirPortalinternet.do#>. Acesso em: 24 jul. 2009 COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e TIC Empresas 2008. São Paulo: Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação, 2009. Disponível em: <http:// www.cetic.br/tic/2008/index.htm>. Acesso em: 20 out. 2009. INTERNATIONAL TELECOMMUNICATIONS UNION-ITU. Measuring the information society. Geneva, 2009. Disponível em: <http:// www.itu.int/ITU-D/ict/publications/idi/2009/material/ IDI2009_w5.pdf>. Acesso em: 20 out. 2009. 10
  • 11. COMUNICAÇÃO MÓVEL NO CONTEXTO BRASILEIRO Eduardo Campos Pellanda O presente texto é uma abordagem sucinta sobre o impacto da comunicação móvel no Brasil. Primeiramente, é discutida a relação en- tre os espaços reais e virtuais e seus desdobramentos no campo da mobi- lidade. Posteriormente, há um contraste com os números e peculiarida- des no Brasil e uma contextualização com a comunicação móvel. É digno de registro como o tópico da comunicação móvel vem crescendo em complexidade no momento em que penetra em diferentes culturas e classes sociais. Em países como o Brasil, isso provoca um grande impacto em diferentes camadas econômicas. O aumento de co- nexões resultantes da tecnologia móvel no país tem proporcionado dife- rentes oportunidades e desafios aos hábitos sociais e aos limites entre espaços públicos e privados. O acesso always-on1 com voz e dados tem aberto caminho para um novo manancial de distribuição e colaboração de informações em um contexto onde os aparelhos são “hiper-pessoais”, pois eles são realmente usados por uma só pessoa, o que não ocorre necessariamente com o computador pessoal. À medida que esses apare- lhos começam a incorporar mais funcionalidades, começam a se tornar mais parecidos com computadores. Nessa perspectiva, eles têm uma 1 Termo em inglês que significa conexão permanente. 11
  • 12. grande relevância no processo de inclusão digital por serem mais bara- tos e estarem em condição ubíqua. A voz foi um elemento essencial no início de todo o processo da comunicação móvel no Brasil, pois já possibilitou uma nova comunica- ção ligando diferentes lugares da cidade. Mas as mensagens de texto, ou SMS, tem rapidamente se tornado a segunda linguagem desta tecnologia, influenciando novas gerações. (RHEINGOLD, 2003) Com o início dos serviços de compartilhamento de áudio, vídeo e fotos, outras formas de comunicação afloram dessas possibilidades. O acesso à internet começa a ser o próximo canal de expansão da comunicação móvel no país à medida que as redes de telefonia vão se expandindo e os custos começam a baixar com a escala do aumento de usuários. Aparelhos como o Blackberry começam a popularizar o uso do e-mail com serviços push, que proporci- onam o recebimento instantâneo de mensagens. Para a navegação em páginas web, aparatos como o iPhone começam a viabilizar o acesso ubí- quo e outros smartphones seguem o caminho aumentando a competição no setor. Empresas como Google, Microsoft, HTC e Nokia estão bus- cando alternativas para a competição de aparelhos que possuam um cus- to-benefício mais eficiente. Isso nos leva a crer que a popularização dos aparelhos deve encaminhar uma maior popularização da tecnologia. Além disso, novos serviços baseados em coordenadas geográficas começam a interagir com a navegação convencional iniciando uma nova experiência de comunicação. Desde o começo da internet comercial é senso comum que o espa- ço virtual é um oposto do real, físico ou atual (LÉVY, 1996) e eles não possuem uma conexão perceptível. O espaço atual é onde estão os tijo- los, o concreto e toda a matéria baseada em átomos. É o lugar em que se percebem sensações na epiderme e se pode tocar nos objetos. Na apa- rente oposição, o espaço virtual é somente conectado com a informação que não é tangível. Nosso corpo é usualmente imaginado estar conectado ao real e atual e nossas mensagens interconectadas no virtual. Todas essas percepções populares estão também ligadas ao modo como se percebe o uso do computador pessoal (PC) conectado à internet. 12
  • 13. O consumo dessa mídia se dá dentro das quatro paredes de um quarto, escritório ou lan house. A informação é trocada no ambiente virtual e aplicada no real. A percepção é de que a informação se dá dentro do monitor do computador (TURKLE, 1995) e a “existência do virtual” acontece somente neste local. As cidades e áreas urbanas estão, nesse contexto, deslocadas da informação, os átomos estão desconectados dos bits (NEGROPONTE, 1995) criando uma defasagem e ajudando a percepção equivocada de que real e virtual são opostos, quando, em um olhar mais aprofundado, eles consistem em potências bilaterais. (LÉVY, 1996) As cidades possu- em guias turísticos, mapas e livros históricos que conectam informações e representações com o espaço físico. Contudo, essas referências não são atualizadas em tempo real e não estão diretamente ligadas com os ambi- entes urbanos. Quando conectamos lugares físicos com o ciberespaço, temos o cruzamento de conceitos e fronteiras: A internet nega as geometrias. Ao mesmo tempo em que ela tem uma topologia definida dos nós computacionais e irradia ruas de bits, e também as localidades dos nós e links podem ser registradas em mapas para produzir surpreendentes tipos de diagra- mas de Haussmann, ela é profundamente e funda- mentalmente antiespacial. Nada parecida com a Piazza Navona ou a Coperly Square. Você não pode dizer ou falar para um estranho como chegar lá. A internet é ambiente [...] (MITTCHELL, 2003, p. 8) Essa conexão se dá hoje com o suporte dos celulares, PDAs, smartphones e demais aparelhos de computação portáteis. Esses dispositi- vos estão imersos nas redes wireless que se expandem rapidamente em coberturas e velocidade de banda. O massivo uso de aparelhos como celulares de maneira intensiva tem transformado a relação homem/má- quina em um ambiente cyborg. (MITTCHELL, 2003) 13
  • 14. A conexão entre as pessoas cria uma rede de SmartMobs (RHEINGOLD, 2003) onde os nós interagem e rapidamente, por exem- plo, se combina um encontro em algum ponto da área urbana. Rheingold (2003) observa isso com mais profundidade em adolescentes que incor- poram o uso dessas tecnologias para a conexão de suas tribos. Esta liga- ção entre o jovem e seu aparelho celular é tão profunda que o telejornal da TV Portuguesa SIC destacou2 uma briga entre um professor que pretendia retirar o dispositivo de uma aluna. A jovem relutou e o episó- dio acabou em violência física. A cultura SmartMobs pode ser verificada também nos atos terro- ristas de Madrid em 2004, em que a população local se reuniu através de mensagens de texto. O resultado foi a maior manifestação pública na cidade desde a Segunda Guerra Mundial. Nos atentados de Londres em 2005, aparelhos móveis registra- ram as imagens do metrô após as explosões. Estas imagens foram para as redes de televisão de todo o mundo pelo critério de informação e não de qualidade técnica. Os cidadãos estão equipados com câmeras conectadas que podem relatar fatos antes dos profissionais. (GILLMOR, 2004) Os celulares convergem fetiches tecnológicos com conexões midiáticas. Eles concentram os acervos de conteúdo com o ponto de ligação entre o indivíduo e o social: [...] no momento em que celulares começam a conectar com a internet e oferecem algumas de suas funções – livros, jornais, revistas, conversas por texto ao vivo ou não, telefonia, videoconferências, rádios, gravação de músicas, fotografia, televisão – o celular se torna uma casa remota para comunicações, uma casa móvel, um pocket hearth, um meio de viagem da mídia. (LEVINSON, 2004, p. 53) 2 O vídeo pode ser visualizado no YouTube neste endereço: <http://br.youtube.com/ watch?v=cchxDXKFAuE> 14
  • 15. Não só os aparelhos celulares representam essa experiência móvel, mas vários formatos de PC como o UMPC3 ou MID4 também fazem parte do contexto. Além disso, há uma tendência clara pela eliminação de fios dentro das casas entre aparelhos de som, rádios, TV e outros eletrodomésticos. Quando todos esses dados e conceitos se aplicam a países como o Brasil, eles começam a ter outro valor. Pois uma nação com 3,287,597 metros quadrados e 189,987,2915 de habitantes torna-se ávida por uma expansão de redes wireless. De fato, as comunicações sem fio fazem parte da evolução histórica do país que, ao mesmo tempo, foi responsável por importantes contribuições para o campo. Além de ser um dos primeiros a adotar o rádio e a televisão, foi no Brasil que as primeiras experiências de transmissões sem fio foram realizadas. O padre Roberto Landell de Moura6 realizou o experimento de propagação de voz sem fios ao mesmo tempo em que o italiano Guglielmo Marconi descobria a tecnologia na Europa. O Brasil é também um país de extremas diferenças com partes da população vivendo à margem da miséria ao mesmo tempo em que é uma das nações a adotar mais ferozmente novas tecnologias e culturas digi- tais. O país possui um sistema de votação eletrônica com tecnologia nacional que cobre 100% das localidades. Isso inclui lugares remotos onde a informação precisa ser transmitida por telefones de satélite. O Brasil é pioneiro e líder em recolhimento de impostos pela internet, já tendo este serviço se incorporado à cultura nacional. A população tam- bém está no topo das nações que mais estão conectadas à rede proporci- onalmente ao número de internautas7, além de ser a maioria em comu- 3 Ultra Mobile Personal Computer 4 Mobile internet Device 5 Ver, IBGE. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em : 21 dez. 2007. 6 Ver, http://en.wikipedia.org/wiki/Roberto_Landell_de_Moura 7 IBOPE/NetRatings 15
  • 16. nidades virtuais como o Orkut. Outro dado relevante é o fato de que, em 2007, pela primeira vez o país comercializou mais computadores pessoais do que aparelhos de TV A internet como mercado publicitário . também passou a receita da TV a cabo. No campo da telefonia celular, o Brasil tem 140 milhões de apare- lhos ativos e 81% deste número é comercializado em planos pré-pagos8. Tal modelo de pagamento é responsável pela grande popularização da comunicação wireless no país. Apesar de mais cara por minuto se compa- rada aos planos pós-pagos, ela dá flexibilidade de pagamentos sobre de- manda. Outra questão é que, mesmo se o telefone não possuir créditos, o usuário pode ainda assim receber ligações, o que possibilita conexões mesmo sem despesas. Nesse contexto, a comunicação móvel está transformando ativi- dades econômicas e sociais de maneira profunda. Desde um vendedor de cachorro quente ambulante que pode oferecer serviços de tele-entrega até profissionais freelancers que podem ter escritórios móveis. Com isso, várias funções da economia informal nasceram dessa possibilidade. Tais atividades representam uma importante parcela da economia brasileira. Outra questão relevante no contexto do acesso aos meios de teleco- municação é o fato de uma grande parcela da população não ter ainda acesso a telefones fixos. Isso se deve ao fato de áreas populosas, mas infor- mais, como as favelas ou áreas rurais, não terem infraestrutura para as ligações. Em certas áreas, há também um desinteresse econômico das em- presas, que deste modo, ignoram os locais. Mas a tecnologia sem fio trans- põe este problema por não precisar de ligações diretas com as residências. Uma única base de telefonia celular pode ser responsável pela existência de diversas linhas. Essa flexibilidade, aliada a uma expansibilidade, é um dos principais fatores de inclusão digital da tecnologia. Usando o mesmo conceito, prefeituras de cidades como Porto Alegre usam a tecnologia Wi-Fi para distribuir o acesso gratuito à internet em 8 Ver, Dados. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br> 16
  • 17. áreas estratégicas da cidade. Locais de grande visitação turística ou de densidade de pequenos negócios são escolhidos para o beneficiamento desta parcela da população dando, com isso, mais capacidade produtiva e competitiva. Este modelo também é adotado em pontos turísticos do Rio de Janeiro para incentivar a informação e colaboração dos visitantes. Já em regiões remotas da Amazônia, a tecnologia que está sendo testada pela empresa Intel é a WiMAX9. Esta conexão permite a cobertura mais ampla e viabiliza o acesso à rede em lugares extremamente complexos para a transmissão por fios. A tecnologia 3G, que permite o acesso em banda larga através de dispositivos móveis, teve um lançamento massivo no ano de 2008 no Brasil. Todas as capitais e principais centros urbanos já possuem a tecnologia e, por acordo com a Agência Nacional de Tele-comunicações (ANATEL), as empresas que exploram a telefonia celular devem esten- der a cobertura por todo o país em 5 anos. O marco representa um forte fator de inclusão da população à comunicação digital, pois também abran- ge áreas onde a banda larga não era possível. A venda de modems para a conexão de laptops à rede 3G teve uma demanda tão intensa que os estoques não tinham capacidade de alimentação da procura, fato que mostra a carência do serviço percebido pela população. O exemplo do Brasil é único porque tem características similares à África, onde a falta de telefones fixos também obrigou os países a pularem direto para a tecnologia celular, mas ao mesmo tempo revela um uso comparável a países desenvolvidos nas tecnologias mais avança- das nos grandes centros urbanos. Os 140 milhões de usuários estão rapidamente pulando dos serviços de voz para os de dados como o aces- so ao ciberespaço, proporcionando diversas potencializações de usos; desde criminais até socialmente emancipadoras. Como espelhos da realidade em relação ao espaço virtual (LÉVY, 1996), esse empodeiramento é a tônica da comunicação digital. Assim como no passado o rádio e a tele- 9 Worldwide Interoperability for Microwave Access. Ver, endereço eletrônico: http/ www.wimaxforum.org 17
  • 18. visão uniram o país em trocas culturais e informacionais, a comunicação móvel tem a potencialidade de ser ainda mais transformadora em um país de dimensões continentais e uma população multicultural e única na velocidade da adoção de novas tecnologias. REFERÊNCIAS CASTELLS, M. et al. Mobile communication and society: a global perspective. Cambridge: MIT Press, 2007. GILLMOR, D. We the media:grassroots by the people, for the people. Sebastopol: O’Reilly Media, 2004. LEVINSON, P. Cellphone. New York: Palgrave, 2004. LÉVY, P O que é o virtual. São Paulo: Editora 34, 1996. . MITTCHELL, W J. ME++: the cyborg self and thenNetworked city. . Boston: MIT Press, 2003. NEGROPONTE, N. Vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. RHEINGOLD, H. Smart mobs. Cambridge: Perseus Publishing, 2003. TURKLE, S. A vida no ecrâ: a identidade na era da internet. Lisboa: Relógio D´água, 1995. 18
  • 19. REDES MUNICIPAIS SEM FIO: o acesso à internet e a nova agenda da cidade 10 Fabio B. Josgrilberg O governo federal brasileiro anunciou, em 10 de outubro de 2008, um edital (Nº 027/2008-MC) com o objetivo de contratar serviços e equipamentos necessários para: [a] implantação de infra-estruturas básicas de comu- nicação para acesso à internet de alta velocidade nos municípios, com uso de tecnologias sem fio para trans- missão de dados, voz e imagens, que suportem a rea- lização de teleconferências, telemedicina e teleaulas em nível nacional. (BRASIL. Ministério das Comuni- cações, 2008) Em resumo, a ideia era equipar 160 cidades com redes corporativas, comunitárias, peer-to-peer ou fomentar o desenvolvimento de soluções híbri- das. No imaginário, por trás da iniciativa, estava o sonho de criar as chama- das “cidades digitais”, uma expressão utilizada no texto do próprio edital. 10 As reflexões apresentadas neste artigo têm origem nos resultados do projeto de pesquisa Muni-Wi: an exploratory comparative study of European and Brazilian municipal wireless networks (JOSGRILBERG, 2008), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP). 19
  • 20. Ainda em 2008, em São Paulo, o maior centro industrial e finan- ceiro do país, Marta Suplicy, então candidata à prefeitura pelo Partido dos Trabalhadores (PT), prometeu equipar a municipalidade com acesso à internet sem fio. Apenas para ajudar a entender a dimensão do proje- to, em 2007, 10.886.518 pessoas viviam em São Paulo em uma área de 1.523 km². (IBGE, 2008) É interessante ver como, nos últimos anos, a questão do acesso à internet banda larga sem fio se tornou parte da nova agenda dos go- vernos em todos os seus níveis. No entanto, no fundo, trata-se de um antigo problema, a saber, a desigualdade no acesso aos avanços tecnológicos da sociedade, ou, usando a redação do Artigo XVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a falta de condições para “[...] participar do processo científico e de seus benefícios.” (UNITED NATIONS, 1948) Ambos os projetos, o do governo federal e o de Marta Suplicy, se tornaram alvos de críticas negativas. O edital federal chegou a ser can- celado no final de outubro de 2008. Dentre os principais motivos, des- tacamos as pressões devido à falta de debate público sobre o assunto e a ênfase em um único modelo tecnológico. Já a promessa de Suplicy foi atacada com acusações de se tratar de um sonho impossível motivado apenas por interesses de marketing político. Deixando de lado a discussão sobre o mérito dos projetos citados, o importante é notar como o debate sobre a inclusão digital, com banda larga e até redes sem fio, se tornou pauta de políticos e da mídia. Houve até mesmo desdobramentos inusitados como o lançamento do álbum Banda larga cordel (2008), de Gilberto Gil, então ministro da Cultura. Apenas por curiosidade, vale a citação de parte da letra da música que dá nome ao CD: Quem não vem no cordel da banda larga Vai viver sem saber que mundo é o seu 20
  • 21. Mais à frente na música, em um jogo de palavras, Gil (2008), afirma: Ou se alarga essa banda e a banda anda Mais ligeiro pras bandas do sertão Ou então não, não adianta nada Banda vai, banda fica abandonada Deixada para outra encarnação É bem verdade que a música não alcançou o topo das paradas musicais, mas há de se reconhecer que os versos citados chamam a aten- ção do ouvinte a questões centrais relativas à inclusão digital – em que se pese o autor ser na ocasião um ministro de Estado, podendo misturar argumentos de desenvolvimento, direitos humanos e uma boa dose de marketing político que, não sejamos ingênuos, também faz parte dos atuais processos democráticos. É quase como Castells afirmando sobre o risco de desconexão entre o “ser” e a “rede”, e a ameaça a populações inteiras que se encontram distanciadas dos atuais fluxos comunicacionais. (CASTELLS, 2000) O sonho sobre as redes municipais de acesso à internet sem fio e o debate sobre as cidades digitais no Brasil tem início em meados da déca- da de 1990. À época, destaca-se o projeto de Piraí, no Rio de Janeiro. De lá para cá, e especialmente nos últimos cinco anos, iniciativas seme- lhantes pululam Brasil afora11. No caso de Piraí, uma situação em especial levou a municipalidade a repensar o seu plano de desenvolvimento e dar ênfase às tecnologias de informação e comunicação: a privatização da companhia de eletricidade que levou a um corte de 1200 empregos, atingindo profundamente a vida dos seus cerca de 22.500 habitantes. Em meio à crise local, a comunidade percebeu que a reorganização da cidade passava pelas tecnologias de informação e comunicação digitais. 11 Informações obtidas com os gestores dos projetos e em sites oficiais das cidades. 21
  • 22. Assim, a primeira infra-estrutura com vistas ao acesso universal foi insta- lada em 2002, já com o objetivo de transmitir dados, voz e imagens. No início do projeto, a ideia era oferecer internet sem fio, com bandas variando entre 128 kbps e 512 kbps, a partir de uma taxa que variava entre R$ 39,00 e R$ 90,00. O custo da rede e um embate legal com a Anatel, a agência reguladora brasileira, levaram os gestores do projeto a optar, em 2007, por uma infraestrutura híbrida gratuita – 13 torres, operando em toda a cidade em 5.8 GHz, com cabos complemen- tares acessando diferentes lugares, dependendo das condições geográfi- cas e de aspectos contingentes relativos à arquitetura da cidade ou da própria rede. Após a decisão da Anatel, a provisão de internet teve de ser limitada à oferta gratuita e basicamente a equipamentos públicos, tais como escolas, telecentros, quiosques e alguns hotspots e residências em caráter piloto. Outro caso pioneiro que se tornou famoso no país foi o da cidade paulista de Sud Mennucci. Em 2008, o município tinha uma população de 7.714 habitantes, cobrindo uma área de 591 km2, com 85% dos quais vivendo na área urbana. (OKAJIMA, 2007, IBGE, 2008) A iniciativa de Sud Mennucci traz um elemento curioso, digno de se tornar objeto de pesquisa em outros municípios do país: a internet foi aberta à população porque sobrava banda nos serviços da prefeitura da cidade. Os primeiros estudos do projeto de Sud Mennucci começaram em 2002. O objetivo era dar conta das demandas administrativas da prefei- tura com vistas a diminuir o custo de conexão com a internet interurba- na discada, a única possível à época. Um estudo conduzido por técnicos da prefeitura em parceria com a indústria alcooleira levou à solução de uma rede sem fio, em detrimen- to do uso de fibra ótica – esta mais cara. Mas é em 2003 que o governo local percebe que possuía mais banda do que necessitava aos seus servi- ços administrativos. O que fazer? Abriu-se o sinal para a população em 2003, que passou a ter a possibilidade de se conectar à rede em suas residências a partir do uso de antenas específicas. 22
  • 23. Assim, o novo objetivo do governo local passou a ser a inclusão digital da população que também sofria com as taxas interurbanas de acesso à internet. Em setembro de 2003, a cidade tinha 10 usuários registrados no projeto municipal, sem falar dos equipamentos públicos. Entretanto, é em 2005, a partir de outro evento digno de nota, que o projeto decola entre os habitantes. O aumento de registros na prefeitu- ra se deu graças à publicação de um artigo de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, destacando o projeto de Sud Mennucci. (GASPARI, 2005) Em 2008, o município já contava com quase mil usuários registrados. Em 2008, a rede sem fio da cidade usava Wi-Fi, trabalhando em 2.4 GHz, com design ponto-a-ponto, a 64 kbps por ponto, em link con- tratado da Telefônica. A partir de uma antena de 40 m, o cobertor digi- tal alcançava um raio de 10 km. Os casos pioneiros, aos quais se poderiam incluir outros não cita- dos aqui, acabaram por influenciar o debate em termos de regulamenta- ção. No Brasil e no mundo, a discussão gira em torno do papel dos governos locais na provisão de internet. As questões são recorrentes, tais como: · O município terá condições de manter e atualizar a rede a longo prazo? · A entrada do governo local na provisão de internet inibirá o mercado local no setor? · Os municípios podem cobrar pelo uso da rede? · Qual o modelo de negócio da rede? · Qual é o regime de utilização do espectro mais adequado? Com vistas a regular a entrada de prefeituras na instalação de redes, a Anatel criou em 2007 a licença de Serviço Limitado Privado (SLP). Com a SLP tornou-se possível criar as redes para fins de uso de serviços da , municipalidade, de forma gratuita, com restrição ao território da cidade. 23
  • 24. Opcionalmente, o governo pode fazer uso de uma rede menos restrita contratando uma empresa privada ou pública, operando em regime de mercado, com licença SCM (Serviço de Comunicação Multimídia). Em paralelo, outras discussões seguem na Anatel, como a limpeza das bandas 450 MHz – 470 Mhz a fim de deixá-las mais disponíveis para usos em cidades pequenas ou rurais. Também em novembro de 2008, a agência lançou uma consulta pública sobre os marcos regulatórios das bandas de 3.400 MHz a 3.600 MHz. Na redação original do texto, aparece a proposta de usar as sub-bandas de 3.400 MHz a 3.405 MHz e de 3.500 MHz a 3.505 MHz para projetos públicos de inclusão digital. (ANATEL, 2008) As tentativas de regular a entrada do poder público no setor de redes sem fio e as restrições tecnológicas ou financeiras não tem diminu- ído o otimismo dos gestores públicos brasileiros. Nem mesmo a notícia de descontinuidade ou redução de investimentos em projetos estrangei- ros, como aconteceu em Chicago, São Francisco e Filadélfia, todos nos Estados Unidos, parece afetar o desejo de ver áreas urbanas e rurais cobertas por redes wireless. Há inclusive projetos pensados em nível es- tadual, como os casos do Rio de Janeiro, Pará, Bahia e Amazonas. Que o futuro da internet é, em grande parte, sem fio é um fato. A dúvida paira sobre o papel dos governos, em todos os níveis, na provisão de internet. O bom senso aponta para o melhor equilíbrio entre ações do governo, sociedade civil organizada e mercado. A predominância de um desses atores depende de situações contingentes. De maneira sim- ples e direta, quando o mercado falha em prover soluções que deem conta das demandas sociais, o governo deve promover a criação desse mercado ou atuar diretamente na provisão do serviço. No Brasil, dados do Comitê Gestor da internet (CGI) apontam que apenas 20% da população brasileira possui acesso residencial à internet. (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2009) Ora, salvo melhor juízo, esse número é mais do que suficiente para sustentar argumentos em favor da atuação do governo local nesse setor. As dúvi- 24
  • 25. das que pairam sobre esse tema não podem intimidar gestores públicos em países em desenvolvimento. O argumento para a entrada do governo municipal na provisão de internet é simples, como já temos destacado em outros espaços. A inspi- ração vem do grande mestre Milton Santos. A pobreza, explica o geógrafo, é, acima de tudo, uma definição política que tem a ver com os objetivos que uma sociedade determina para si. (SANTOS, 1979) Portanto, a po- breza não é simplesmente um dado estatístico com ênfase na renda e definições de linhas de miséria ou coisa que o valha. Na chamada Socie- dade do Conhecimento, o acesso à internet em banda larga e, por que não, sem fio, deve fazer parte de qualquer definição possível de pobreza. Como se sabe, hoje, salvo raras exceções, a banda larga chega apenas onde há mercado, ou seja, consumidores em condições de comprar os serviços oferecidos pelas empresas de telecomunicações. Apesar de haver justificativas evidentes para a entrada dos gover- nos locais no desenvolvimento de projetos de redes sem fio para uso da população, as armadilhas estão espalhadas por todo o caminho. Uma rede totalmente pública e gratuita, sem dúvidas, pode inibir o desenvol- vimento local do setor, pode indicar menor criação de empregos e redu- zir a velocidade das inovações, que, em geral, se favorecem pela compe- tição entre empresas. Os críticos da atuação do governo também desta- cam a falta de especialistas em telecomunicações em muitas prefeituras e a inviabilidade de sustentar o desenvolvimento da rede no longo pra- zo. (JOSGRILBERG, 2008) Uma opção seria terceirizar o desenvolvimento e até a operação da rede sem fio municipal, favorecendo assim a competição entre diferentes empresas. As parcerias público-privadas, contudo, também apresentam os seus problemas. O mais sério deles é o de colocar em risco os valores públicos de universalização e neutralidade da rede. Há ainda outras ques- tões, como a possibilidade de ver o governo local amarrado a contratos restritos a um único modelo tecnológico ou de gestão – o que pode se tornar um risco para o desenvolvimento da própria rede. 25
  • 26. Portanto, é importante notar que o desenvolvimento de redes wireless em nível municipal, sejam elas totalmente públicas e gratuitas ou em parcerias público-privadas, deve buscar soluções contingentes que dependem do perfil socioeconômico da cidade, das condições geo- gráficas e de arquitetura urbana. Sempre haverá riscos e benefícios, pois não há solução perfeita. Não obstante tais possibilidades, vale destacar que, seja como for, com a municipalidade administrando ou terceirizando o desenvolvimento e operação da rede municipal sem fio, a responsabili- dade será sempre do governo local. (MINOW 2007) , Acima de tudo, é preciso lembrar que um projeto de rede munici- pal sem fio envolve várias dimensões que precisam estar muito bem articuladas. Com o objetivo de mapear esses diferentes aspectos, sugeri- mos um modelo com base em um estudo comparativo entre projetos brasileiros e europeus de redes municipais sem fio (JOSGRILBERG, 2008), no qual pudemos identificar algumas facetas que parecem ser fundamentais, a saber, “comunidade”, “infraestrutura”, “modelo de ne- gócio” e “governança”. O detalhamento de cada dimensão pode ser co- nhecido no relatório final da pesquisa. Neste texto, apresentamos um resumo das principais ideias. a) Comunidade O envolvimento da comunidade na organização do projeto de rede municipal sem fio pode ser fundamental para o sucesso do projeto. Veja o caso de Sud Mennucci, citado acima. De início, parecia não haver uma compreensão adequada do valor da iniciativa. A comunidade pode ser inserida por programas de promoção de demanda, ou seja, de uso da rede, articulando treinamentos e favorecimento para a compra de terminais (notebooks, desktops, PDAs, etc.). Como destacam Mansell e Steinmueller (2000, p. 37), “o usuário é uma categoria enormemente variada e a sensibilidade para a motivação das pessoas, ou falta dela, para se envolver com o novo ambiente virtual ou 26
  • 27. ciberambiente é um pré-requisito para a evolução econômica e proces- sos sociais” A participação da comunidade também será importante do ponto de vista da governança do projeto, que trataremos adiante, especial- mente no que se refere a questões de accountability, transparência de pro- cessos e futuros desenvolvimentos da rede. Essa participação pode se dar, por exemplo, por meio de comitês locais. b) Governança A palavra governança aparece facilmente nas apresentações de es- pecialistas em gestão – usada corretamente ou não. O termo se aplica a organizações públicas ou privadas, mas também dentro de contextos mais específicos como, por exemplo, na área de Tecnologia da Informa- ção (TI) ou no terceiro setor. Trata-se de tarefa difícil encontrar uma definição para o termo na gestão pública. A origem da ideia pode ser identificada no início dos anos 1970, quando a expressão se tornou popular nas políticas prescri- tas pelo Banco Mundial para a gestão pública. Muitos viam nesse movi- mento interesses relacionados à estratégia do banco de impor certas condições aos países, particularmente àqueles em desenvolvimento, em geral trazendo um sentido de Estado mínimo em prol do mercado livre. (RHODES, 1996, DOORNBOS, 2001, FREDERICKSON, 2005) Contudo, a reflexão sobre o conceito de governança evoluiu com o tempo. No caso discutido aqui, as redes municipais sem fio, a definição de Frederickson é mais do que suficiente. Para o autor, governança pode ser entendida como “[...] um conjunto de princípios, normas e papéis, e de procedimentos de tomada de decisão ao redor dos quais os atores convergem na arena pública.” (FREDERICKSON, 2005, p. 293) Em se tratando de redes municipais sem fio, é possível incluir aspectos como abertura da rede (princípios), condição de participação 27
  • 28. dos atores e de tomada de decisão (normas), funções dos stakeholders (papéis), além dos processos de organização, de desenvolvimento e de sustentabilidade geral da rede (gestão). A transparência dos princípios de governança é uma das chaves para a existência da rede a longo prazo. Tais princípios estão diretamen- te relacionados às demais dimensões (infra-estrutura, comunidade e modelo de negócio). c) Infraestrutura A infraestrutura talvez seja o elemento que mais chame a atenção nos debates sobre as cidades digitais - equivocadamente, diga-se de pas- sagem. Em resumos, estamos falando de hardwares e softwares necessários para implantar uma rede municipal sem fio. Destacamos, em seguida, alguns elementos propostos pela literatura especializada sobre o que esses tipos de redes ou similares devem oferecer (BACCARELLI, et al., 2005, GUNASEKARAN; HARMANTZIS, 2007): · acessibilidade; · disponibilidade; · custo acessível dos serviços; · aplicações. Em meio aos temas tratados dentro do projeto OPAALS, que de- bate, dentre outros assuntos, a criação de ecossistemas digitais, outros requisitos básicos são estabelecidos para comunidades em rede [Community Networks] infrastructures’ (BOTTO et al., 2008): · cobertura total e acesso ubíquo; · acesso a partir de terminais múltiplos (desktops, notebooks, PDAs, celulares, etc.); 28
  • 29. · mobilidade, permitindo roaming dentro da rede; · capacidades geoespaciais; · qualidade de serviço (definição dos tipos de serviços esperados da rede); · suporte e plataformas para distribuição de serviços. Com preocupações mais socioeconômicas, Mansell e Steinmueller chamam a atenção para o desenvolvimento da rede considerando (MANSELL; STEINMUELLER, 2000): · design flexível; · design inclusivo. Em resumo, o objetivo é ter acesso à rede a qualquer hora, a partir de qualquer terminal, em diferentes formatos, a custo acessível, em ban- da larga, com um design flexível e inclusivo. Dentre as principais possibilidades tecnológicas sem fio, presen- tes e de um futuro próximo, destacam-se o VSAT (Very Small Aperture Terminal), Wi-Fi (Wireless Fidelity, IEEE 802.11a/b/g/n), WiMAX (Worldwide Interoperability for Microwave Access, IEEE 802.16n) e Wi-Mesh – e por que não as tecnologias 3G? É possível haver uma combinação destas tecnologias entre si, além do suporte da rede fixa. (fibra ótica etc.) d) Modelo de negócio Um modelo de negócio pode ser definido como uma ferramen- ta conceitual que contém um grupo de objetos, conceitos e suas re- lações com o objetivo de expressar a lógica de negócio de uma em- presa específica. Portanto, cabe considerar quais conceitos e relações permitem oferecer aos clientes, como isso será feito e suas 29
  • 30. consequências financeiras. (OSTENWALDER; PIGNEUR; TUCCI, 2005, p. 5) No entanto, a transposição do conceito de modelo de negócio para o setor público exige cuidados. Isso porque todo modelo de negó- cio possui o seu respectivo ethos; traduzi-lo para ambiente público de- manda a reinvenção do vocabulário dado. (ALVES, 2006) No caso de redes municipais wireless, pelo mundo afora, é comum se falar em modelo de negócio. A razão é simples. Muitos projetos envolvem diferentes arranjos com a iniciativa privada que vão desde a instalação até a operação da rede. Talvez o conceito de modelo de sustentabilidade finan- ceira fosse mais adequado. Seja como for, as escolhas feitas (parcerias, for- necedores, contratos, etc.) sobre “quem paga a conta” podem ter um im- pacto direto em princípios democráticos importantes, especialmente no que diz respeito à universalização dos serviços. O debate sobre os modelos municipais de negócio para redes sem fio de acesso à internet gira em torno do reconhecimento do governo como um “promotor” ou “regulador” desses projetos, uma questão di- retamente ligada à visão da banda larga como um “bem público” ou algo para ser resolvido pelo mercado (PICOT; WERNICK, 2007, p. 662- 663); ou, como propõem Gillett e seus colegas, a visão do governo como um regulador, financiador, desenvolvedor da infraestrutura ou simples- mente como usuário. (GILLETT; LEHR; OSORIO, 2004) Como resumem Daggett (2007) e Hughes (2005), os modelos de negócio mais comuns são o privado, o público, o franchise e o anchor- tenant (empresa-âncora). Acrescentaríamos também a possibilidade de projetos comunitários: · Privado A provisão da rede banda larga sem fio é mantida por empresas com fins lucrativos. Nesse caso, o governo tem pouca ou nenhuma auto- ridade sobre a rede. (DAGGETT, 2007) Eventualmente, as empresas 30
  • 31. podem se beneficiar do uso de equipamentos públicos para instalação de antenas, por exemplo, oferecendo alguma contrapartida como acesso gratuito a serviços municipais. · Público Em geral, adotado quando o regime de mercado não consegue garantir a universalização do acesso a custos razoáveis. O governo insta- la e opera a rede, podendo ou não contratar empresas terceirizadas. · Modelo de franquia Segundo Daggett, nesse modelo, o governo local garante a uma empresa privada o uso dos equipamentos e vias públicas por um período de tempo e a contratada deve oferecer contrapartidas definidas pela municipalidade. (DAGGETT, 2007, p. 12) Ainda nesse modelo, é possí- vel uma variação em que o governo investe na infra-estrutura passiva (torres e backhaul, por exemplo) e permite a instalação e operação por empresas privadas. (HUGHES, 2005) · Empresa-âncora (anchor-tenant) Nesse modelo, a municipalidade se torna o principal cliente de uma empresa que, por sua vez, deve alcançar objetivos de universalização e de serviços estabelecidos pela municipalidade. Aqui também a prefei- tura pode favorecer o projeto permitindo o uso de equipamentos públi- cos e acordar algum tipo de contrapartida em função do resultado finan- ceiro da rede. (DAGGETT, 2007, p. 12) · Comunitário Por último, vale a referência ao modelo comunitário. Nesse tipo de arranjo, a própria comunidade compartilha o seu link de internet 31
  • 32. entre si. É o que acontece, por exemplo, com os projetos OpenSpark (http://open.sparknet.fi) e Fon (http://www.fon.com). Embora as redes comunitárias tendam a ter sua origem dentro da sociedade civil, o governo pode servir como catalisador dessas iniciati- vas. Fica a pergunta: “Por que diabos eu deixaria outras pessoas usarem gratuitamente o meu ponto de acesso?” A resposta da OpenSpark é dire- ta: “Porque integrando a comunidade da OpenSpark significa poder usar o ponto de acessos dos outros.” (OPENSPARK, 2008) Para encerrar, é preciso se ter claro que a decisão sobre a entrada dos governos municipais na provisão de internet sem fio é contingente. Também não há modelo único de negócio ou tecnológico. No que se refere à tecnologia, em especial, é sempre importante não ficar restrito a uma única solução. Também é fundamental evitar a sobredeterminação da visão tecnológica. É preciso ir além da cidade digital e ter uma compreensão mais abrangente da cidade sonhada. Quem sabe, sonhar com as redes municipais de internet sem fio a partir de uma cidade educadora ou sustentável. REFERÊNCIAS ALVES, L. R. Política pública integrada como tradução do direito à cidade ou de como superar as simulações na gestão local-regional. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, Cátedra de Gestão de Cidades, 2006. ANATEL. Consulta pública nº 54. Proposta de atribuição ao serviço móvel e atuação adicional e destinação adicional ao serviço móvel pessoal (SMP), em caráter primário... Disponível em: <http:// sistemas.anatel.gov.br/SACP/Contribuicoes/TextoConsulta.asp? CodProcesso=C1222&Tipo=1&Opcao=andamento >. Acesso em: 11 nov. 2008. 32
  • 33. BACCARELLI, E. et al. Broadband wireless access networks: a roadmap on emergin trends and standards. In: CHLAMTAC, I.; GUMASTE, A.; SZABÓ, A. C. (Ed.). Broadband services: business models and technologies for communities networks. West Sussex: John Willey & Sons, 2005. BOTTO, F. et al. Community networks and digital ecosystems: digital ecosystems and the trentino Network. London: OPAALS Project, 2008. BOTTO, F.; PASSINI, A. The community networks and digital ecosystems relationship. In: INTERNATIONAL OPAALS CONFERENCE ON DIGITAL ECOSYSTEMS, 2., 2008, Tampere, Fi. [Confrerence...] Tempere, Fi: OPAALS, 2008. Disponível em: <http://matriisi.ee.tut.fi/hypermedia/events/opaals2008/article/ opaals2008-article21.pdf>. Acesso em: 20 out. 2009. BRASIL. Ministério das Comunicações. Pregão presencial nº 027/2008 - sistema de registro de preços -MC. Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.mc.gov.br/licitacoes/editais-e-avisos-pregao/editais-na- modalidade-pregao/editais-2008/edital-no-027-2008>. Acesso em: 20 out. 2009. CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000. v. 1. COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e TIC Empresas 2008. São Paulo: Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação-CETIC. Br, 2009. Disponível em: http://www.cetic.br/tic/2008/index.htm Acesso em: 20 out. 2009. DAGGETT, B. V Localizing the internet: five ways public ownership solves . the U.S. broadband problem. Mineapolis: Institute for Local Self- Reliance, 2007. DOORNBOS, M. Good governance’: the rise and decline of a policy metaphor? Journal of Development Studies, v. 37, n. 6, p. 93-108, 2001. Disponível em: <http://www.informaworld.com/10.1080/ 713601084>. Acesso em: 20 out. 2009. 33
  • 34. FREDERICKSON, H. G. Whatever happeneed to public administration? Governance, governance everywhere. In: FERLIE, E.; LYNN JR., POLLITT, C. (Ed.). The handbook of public management. Oxford: Oxford University Press, 2005. GASPARI, E. Uma história brasileira de sucesso. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 jan. 2005. GILLETT, S. E.; LEHR, W H.; OSORIO, C. Local government . broadband initiatives. Telecommunications Policy, v. 28, n. 7, p. 537-558, 2004. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com/ science?_ob=GatewayURL&_origin=ScienceSearch&_method=citationSearch &_piikey=S0308596104000539&_version=1&_returnURL=&md5= 26f6b77bc91d3f11a6a47d74df902aa0>.Acesso em: 20 out. 2009. GUNASEKARAN, V HARMANTZIS, F. C. Emerging wireless .; technologies for developing countries. Technology in Society, v. 29, n. 1, p. 23-42, 2007. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com/ science/article/B6V80-4GVJ631/2/ 1f54847f35fd14040e387d4b3ebb5ff1>. Acesso em: 20 out. 2009. HUGHES, G. Models for public sector involvment in regional and local broadband projects. In: CHLAMTAC, I.; GUMASTE, A.; SZABÓ, A. C. (Ed.). Broadband services: business models and technologies for communities networks. West Sussex: John Willey & Sons, 2005. p. 276. IBGE. Cidades@. 2008. Disponível em:< http://www.ibge.gov.br/ cidadesat/>. Acesso em: 12 mar. 2009. JOSGRILBERG, F. B. Muni-Wi: an exploratory comparative study of European and Brazilian municipal wireless networks. São Paulo: FAPESP, 2008. Disponível em: <http://www.fabio.jor.br/wp-content/artigos/ 20080829josgrilberg_muniwifi.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2008. MANSELL, R.; STEINMUELLER, W E. Mobilizing the information . society: strategies for growth and opportunity. New York: Oxford University, 2000. MINOW M. Public and private prtnerships: accounting for the new , religion. In: BEVIR, M. (Ed.). Public governance. London: Sage, 2007. p. 177-195, v. 4. 34
  • 35. OKAJIMA, M. I. Infovia: uma rede de cidadania.In: OFICINA DE INCLUSÃO DIGITAL, 6., 2007, Salvador. [Anais...] Salvador: Insti- tuto Anísio Teixeira, 2007. OPENSPARK. FAQ - Usein kysyttyä. Disponível em: <https:// open.sparknet.fi/index.php?page=faq>. Acesso em: 10 jan. 2008. OSTENWALDER, A.; PIGNEUR, Y.; TUCCI, C. L. Clarifying business models: origins, present, and future of the concept by. Communications of AIS, v. 15, p. 40, May 2005. Disponível em: <http:/ /www.businessmodeldesign.com/publications/ Preprint%20Clarifying%20Business%20Models%20Origins,% 20Present,%20and%20Future%20of%20the%20Concept.pdf>. Acesso em: 20 out. 2009. PICOT, A.; WERNICK, C. The role of government in broadband access. Telecommunications Policy, v. 31, n. 10, p. 660-674, 2007. Dispo- nível em: <http://www.sciencedirect.com/ science?_ob=GatewayURL&_origin=ScienceSearch&_method=citationSearch&_ piikey=S0308596107000833&_version=1&_returnURL=&md5= c9d0aaf529c66fc4127879b977cdda1f>. Acesso em: 25 jul. 2009. RHODES, R. A. W The new governance: governing without . government. Political Studies, v. 44, p. 652-667, 1996. SANTOS, M. Pobreza urbana. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1979. UNITED NATIONS. The Universal declaration of human rights. New York, 1948. Disponível em: <http://www.un.org/>. 35
  • 36.
  • 37. ESPECTRO ABERTO E MOBILIDADE PARA A INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL Sérgio Amadeu da Silveira O artigo discute como o sinal aberto impacta a comunicação sem fio. Baseando-se em uma análise qualitativa sobre o que está ocorrendo em algumas cidades brasileiras, busca-se mostrar que a comunicação gratuita incentiva o uso de computadores e redes, reforçando as relações sociais locais. Além disso, demonstra igualmente que a atual regula- mentação das telecomunicações se dá contra o crescimento de redes wireless abertas. O seu crescimento requer a implementação das redes abertas no espectro radioelétrico. Defende-se que a implantação de nu- vens de conexão wireless gratuitas nos municípios pode elevar de modo exponencial o uso das tecnologias da informação e da internet em locali- dades onde só havia conexão discada e banda estreita. Do mesmo modo que o barateamento e digitalização das câmaras fotográficas incentivaram a prática da fotografia, a redução ou elimina- ção do custo de conexão à internet pode incentivar enormemente o seu uso. Assim como o surgimento dos blogs, plataformas de gerenciamento de conteúdos baseados em interfaces amigáveis e gratuitas, ampliou enor- memente a escrita hipertextual e a produção de relatos e notícias na internet. Além disso, é possível observar vários casos em que a gratuidade ou baixo custo podem ampliar enormemente o uso das redes de comuni- cação. 37
  • 38. Sem dúvida, disso não se pode concluir que tudo aquilo que é gratuito ou barato será bem sucedido. Quer dizer apenas que no Brasil existe uma grande demanda reprimida pela comunicação em rede. A concentração de renda, de um lado, e a pobreza da maioria da popula- ção, de outro, constituem enormes entraves para a expansão da internet e de seus serviços no país. Ao mesmo tempo, as comunidades e indiví- duos mais pobres percebem a importância da internet. Diversos progra- mas da TV aberta têm disseminado reportagens sobre os benefícios da rede, o que elevou o interesse dos brasileiros pela comunicação mediada por computador. O potencial de conexão no país é bloqueado por fatores sociais e econômicos. Em 2007, no Brasil, ainda havia cerca de 14,1 milhões de analfabetos com idade igual ou superior a 15 anos. O índice de Gini, que mede a concentração de renda, está em queda desde 2004 (0,547), mas, em 2007, atingiu 0,528. O percentual de domicílios com algum tipo de telefone chegou a 77%, enquanto 31,6% desses domicílios pos- suíam somente os telefones celulares. A mesma pesquisa constatou que 88,1% tinham rádio, 94,5% possuíam televisão, 26,6% contavam com microcomputador e somente 20,2% dos domicílios tinham acesso à internet (IBGE, 2007). Segundo a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a população brasileira, em 2007, atingiu 189 milhões de habitantes. Estes dados comprovam as grandes disparidades existentes no país. (IBGE, 2007) É necessário ainda considerar que o custo de comunicação no Bra- sil é um dos mais elevados do mundo. Segundo o levantamento realiza- do pela Associação Brasileira de Prestadoras de Serviços de Telecomuni- cações Competitivas (TelComp), o megabit, no Brasil, chegou a ser vendi- do por R$ 716,50 por mês, em 2007. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES COMPETITIVAS, 2007) O megabit comercializado pela Tiscali Italiana era equivalente a R$ 4,32 mensais. Na França, a Orange cobrava R$ 5,02 e nos Estados Unidos da América, era possível pagar R$ 12,75. Manaus, capital do Estado do Amazonas, tinha o custo da conexão ban- 38
  • 39. da larga, em 2007, 395 vezes mais cara do que a cidade de Tóquio, no Japão. (SOUSA; PINHEIRO; ATHAYDE, 2008, p. 28) Nesse cenário, as redes Wi-Fi gratuitas, mantidas pelos municípi- os, podem garantir um espaço de concorrência saudável com as redes de conexão comerciais mantidas pelas operadoras de telefonia. A pressão da rede gratuita, com tecnologia barata e sinal amplamente distribuído nas cidades, pode melhorar a qualidade dos serviços pagos e gerar uma que- da no preço da conectividade. Se a queda do preço dos computadores, no Brasil, a partir do programa governamental PC Conectado, elevou suas vendas (SANDRINI, 2007, p. 28), é possível concluir que a elimi- nação ou redução do custo das telecomunicações no Brasil pode aumen- tar enormemente o uso das redes. NUVENS ABERTAS DE CONEXÃO A seguir, analiso três municípios brasileiros que oferecem conexão gratuita à internet para toda a sua população. São eles: Quissamã, no estado do Rio de Janeiro; Sud Mennucci, no estado de São Paulo e Tapira, no estado de Minas Gerais. Quissamã possui 17.376 habitantes distri- buídos em uma área de 716 km². Sud Mennucci tem 7.714 habitantes em uma área de 591 km². Por fim, Tapira alcançou 3.509 moradores e 1.184 km² de extensão. Os três municípios conseguem atingir 100% de sua área com o sinal wireless. Quissamã oferece velocidade de conexão de 128 kbps para pessoas físicas e 256 kbps para empresas. Sud Mennucci assegura 256 kbps para os moradores, independente de seu estatuto jurídico. Tapira garante conexão superior a 64 kbps para toda a população. A Prefeitura de Sud Mennucci gastou para implantar o projeto R$ 18.000,00 e depois R$ 70.000,00 para ampliar a velocidade, segu- rança e estabilidade da rede wireless. Já a Prefeitura de Tapira gastou R$ 5.000,00 com equipamentos e antenas para a infra-estrutura de cone- xão. O custo de implantação e manutenção de Quissamã não foi divul- 39
  • 40. gado. O custo mensal de conexão pago pela Prefeitura de Sud Mennucci para a Operadora de Telecom é de R$ 5.800,00. Tapira paga R$ 7.900,00 mensais pelo sinal de internet. Utilizando o mecanismo do Netcraft é possível identificar que o portal municipal tanto de Quissamã como de Sud Mennucci utilizam servidores Linux e web servers Apache. O software livre é utilizado na rede desses municípios. Os telecentros - locais de acesso público à internet a partir de computadores desktops disponíveis gratuitamente para a po- pulação - em Quissamã também são mantidos pela Prefeitura Municipal e utilizam GNU/Linux nos seus desktops. Nos três municípios, após a implantação do acesso wireless gratui- to, ocorreu a elevação rápida e expressiva do número de usuários da internet. Tapira multiplicou por seis o número de residências conectadas à internet, Quissamã multiplicou por 8 e Sud Mennucci multiplicou por 28, o que representa um crescimento surpreendente. QUISSAMÃ SUD MENNUCCI TAPIRA Ano de 2004 2003 2005 implantação Penetração da internet antes 200 residências 30 residências 50 residências* da implantação Penetração da internet 1.600 residências 840 residências 300 residências em 2008 Crescimento 8 vezes 28 vezes 6 vezes Quadro 1: Aumento do número de residências com internet Fonte: Edital de Cidades Digitais: contribuições estão sendo analisadas (2009) extraídos dos relatos das Prefeituras no http://www.guiadascidadesdigitais.com.br * Estimativa com base no número de computadores que existiam na cidade. Como havia somente 50 computadores, no máximo 50 residências poderiam ter acesso à internet. Provavelmente isto não ocorria. 40
  • 41. A velocidade de crescimento do número de residências conectadas nestes municípios é bem superior a obtida pelo mercado se observarmos o crescimento ocorrido na média nacional de conexão, registrada na pes- quisa promovida pelo Comitê Gestor da internet no Brasil. A proporção de domicílios com acesso à internet no Brasil saltou de 14,49%, em 2006, para 17%, em 2007. Tapira, com a menor média observada entre os três municípios aqui citados, em menos de três anos de acesso gratui- to obteve um crescimento de 500%. A formação de nuvens abertas de conexão no Brasil pode incenti- var não somente a aquisição de computadores como também a conectividade. A gratuidade da comunicação em rede para toda a popu- lação pode ainda melhorar os usos educacionais e culturais, aprimorar ainda mais os serviços de governo eletrônico, bem como ampliar a inser- ção das comunidades locais no comércio eletrônico global. Na era informacional, a comunicação deve ser pensada como direito e não so- mente como negócio, ou seja, a gratuidade ajuda a consolidar a ideia da comunicação como um direito humano essencial. O POTENCIAL DO OPEN SPECTRUM O modelo de regulamentação do uso do espectro eletromagnético ganha importância cada vez maior devido ao processo de convergência digital, e às inúmeras possibilidades da computação ubíqua e da expan- são da comunicação móvel, principalmente se os municípios brasileiros seguirem o exemplo das cidades de Quissamã, Sud Mennucci e Tapira e passarem a implementar nuvens de conexão aberta à internet. No Brasil, o espectro de radiofrequências está sob o controle do Estado e só pode ser utilizado de acordo com o Plano de Atribuição, Destinação e Distribuição de Faixas de Frequências no Brasil (PDFF). A Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) foi incumbida de admi- nistrar a utilização do espectro de radiofrequências, regulamentando e fiscalizando o seu uso. Assim, cada faixa de radiofrequência foi definida 41
  • 42. para uma determinada aplicação ou serviço, de acordo com o referido plano. Ele foi recentemente alterado para incorporar a implantação da TV Digital no Brasil. No dia 29 de junho de 2006, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou o Decreto Nº 5.820 que definiu as regras de im- plantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD- T) e da plataforma de transmissão e retransmissão de sinais de radiodi- fusão de sons e imagens. O Decreto interfere na ocupação do espectro radioelétrico brasileiro. O período de transição do sistema de transmis- são analógica para o SBTVD-T será de dez anos, contados a partir da publicação do Decreto. Durante este período de transição, ocorrerá a veiculação simultânea da programação em tecnologia analógica e digi- tal. Os canais utilizados para transmissão analógica serão devolvidos à União após o prazo de transição. Estes canais são as faixas de freqüência do espectro eletromagnético que vão de 54 a 88 MHz (canais de 2 a 6) e de 174 a 216 MHz (canais 7 a 13). Nos próximos anos, o país debaterá o que deverá ser feito com as faixas de frequência que serão desocupadas quando se encerrarem as transmissões analógicas da TV Existe a possibilidade de que possam ter . um uso comum, ou seja, algumas entidades da sociedade civil defendem que aquelas faixas sejam destinadas para o uso livre e comum. Esta rei- vindicação é chamada de open spectrum. O aparelho de transmissão digital controlado por software pode escanear ou varrer o espectro em busca da melhor frequência para o envio das ondas em de- terminado momento. Do mesmo modo, os aparelhos receptores digitais podem escanear constantemente o espectro para sintonizar uma estação específica e acompanhá-la, mesmo quando ela muda de frequência. Assim, não é necessário tornar o espectro uma propriedade privada de alguns. É possível transformá-lo em um espaço comum. Uma via em 42
  • 43. que muitos podem passar, ou seja, transmitir seus si- nais, respeitando os padrões de interesse público. (SILVEIRA, 2007, p. 50) O argumento que justifica o controle estatal do espectro é que as radiofrequências são um recurso escasso, limitado. Por isso, os Estados majoritariamente utilizam o modelo de exploração baseado em conces- sões e permissões cedidas ao setor privado, em geral, por meio de leilões. Esse seria o melhor modo de impedir a caótica interferência no uso do espectro. Assim, evitaria-se a denominada tragedy of commons, ou seja, o uso ineficiente de um recurso causado pelo seu emprego excessivo e descoordenado. Entretanto, diversos pesquisadores consideram que o controle estatal ocorreu por outras razões. “Gestores políticos na déca- da de 1920 não direcionavam o interesse público para a alocação do espectro de rádio através da ideia de caos das ondas aéreas. O que acon- tecia era justamente o oposto; o caos era estrategicamente utilizado para obter alocação do interesse público.”72 (HAZLETT, 2001, p. 95) As tecnologias digitais possibilitam o uso mais inteligente e efici- ente do espectro, neutralizando os possíveis ruídos e interferências. Trans- missores e receptores digitais, software-defined radio, smart radio, podem superar as restrições e interferências do mundo analógico. Existem vári- as tecnologias de uso simultâneo de uma mesma radiofrequência por diversos usuários. Por exemplo, até a tecnologia Code Division Multiple Access (CDMA) já permitia que diversos celulares transmitissem ao mesmo tempo na mesma freqüência sem interferência entre eles, pois seus sinais são separados por códigos. Atualmente, a capacidade do sistema de transmitir informações úteis aumenta. O mesmo espectro pode realizar mais comunicações. A inteligência dos dispo- 72 “Policy makers in the 1920s were not driven to public interest allocation of radio spectrum by airwave chaos. Just the opposite; chaos was strategically used to procure public interest allocation.” (Tradução o editor) 43
  • 44. sitivos está substituindo a capacidade de força bruta existente entre eles. Imagine como seriam as auto- estradas se os carros não pudessem ser manobrados rapidamente para evitar colisões e desacelerações. Te- riam que haver grandes pára-choques entre cada veí- culo para prevenir acidentes, […] precisamente o que existe no espectro hoje.73 (WERBACH, 2003, p. 19, tradução do editor) Os canais utilizados para transmissão analógica da TV brasileira serão devolvidos à União e podem ser colocados à disposição de toda a sociedade para transmissões digitais. Estes canais, faixas de frequência de excelente qualidade, podem tornar-se uma grande via comum para as comunidades, municípios e os diferentes agrupamentos garantirem a diversidade cultural e o efetivo direito à comunicação, a partir do acesso direto ao espectro radioelétrico. CONCLUSÃO Existem três tipos puros de uso do espectro radioelétrico: as con- cessões estatais; a privatização com a formação de mercados secundários de espectro e o open spectrum ou commons. O modelo de concessões estatais é o que foi descrito anteriormente. O modelo de privatização do espec- tro pretende tratá-lo como um bem privado qualquer. Desse modo, as faixas de frequência seriam vendidas pelo Estado a agentes privados que poderiam usá-las da forma mais rentável possível, inclusive vendendo-as ou alugando-as em um mercado secundário. O terceiro modelo é o base- ado nos commons. O que ele quer chama-se espectro aberto por garantir 73 “Nowadays, ‘the capacity of the system to transmit useful information increases. The same spectrum can hold more communications. The intelligence of devices is substituting for brute- force capacity between them. Imagine what highways would be like if cars couldn’t be steered quickly to avoid collisions and slowdowns. There would have to be huge buffers between each vehicle to prevent accidents [...] precisely what exists in the spectrum today“. 44
  • 45. que todos possam usar as frequências como vias públicas. Caberia ao Estado definir regras de ordem técnica para assegurar o uso comum das frequências, tais como limites de potência, homologação de equipamen- tos, orientação para o melhor uso de protocolos de comunicação em determinadas bandas. Tal como em uma avenida, o Estado permite que todos os cidadãos possam por ela transitar desde que respeitando as regras de trânsito. O modelo atual é pouco eficiente e gera um poder demasiado para os controladores da infraestrutura de telecomunicações, ou seja, para aqueles que detêm o direito do uso exclusivo de faixas do espectro. O modelo aqui denominado de privatização do espectro agrava os proble- mas de ineficiência e concentração de poder em poucas mãos. A escolha entre proprietários e redes de dados sem fio baseadas no compartilhamento, ganha um novo sig- nificado diante da estrutura de mercado das redes com fio e o poder por ela fornecido aos donos de redes ban- da-larga para controlar o fluxo de informação na gran- de maioria dos lares. Sistemas sem fio baseados no compartilhamento se tornam a forma legal primária da capacidade de comunicação que não submete sis- tematicamente seus usuários à manipulação por um proprietário da infraestrutura74. (BENKLER, 2006, p. 154, tradução do editor) O modelo baseado nos commons é tecnicamente viável e pode am- pliar a diversidade cultural. Pode ainda reduzir os custos da comunica- ção, incentivar a produção local e a descoberta de novos usos e o desen- 74 The choice between proprietary and commons-based wireless data networks takes on new significance in light of the market structure of the wired network, and the power it gives owners of broadband networks to control the information flow into the vast majority of homes. Commons-based wireless systems become the primary legal form of communications capacity that does not systematically subject its users to manipulation by an infrastructure owner. 45
  • 46. volvimento de interfaces de comunicação wireless. Permitirá que dentro de uma localidade seja formada com muito mais eficiência redes mesh e grande nuvens de conexão aberta, o que viabilizará a telefonia móvel gratuita entre os habitantes daquelas localidades. A fusão da voz sobre IP (VoIP) com o sinal aberto nas melhores faixas de propagação do es- pectro pode incentivar a comunicação e a produção cultural e econômi- ca local. Esta hipótese é reforçada pelo impacto que a comunicação wireless gratuita causou nos três municípios aqui analisados. Kevin Werbach alertou: Melhorar bandas não-licenciadas já existentes não é suficiente. A maioria é tão estreita e congestionada que sua utilidade para o espectro aberto é limitada. Além disso, a alta frequência das mais proeminentes bandas não-licenciadas limita a propagação do sinal. Espectros de baixa frequência que penetram através de variações climáticas, coberturas arbóreas e muros, iriam prover vantagens significantes a serviços como a conectividade em banda-larga de última milha.75 (WERBACH, 2002, p. 16, tradução do editor) Nesse sentido, o Brasil pode dar um salto no uso do espectro. Boa parte das melhores frequências do espectro será devolvida ao Estado quando as transmissões analógicas da TV forem encerradas. Cabe aos pesquisadores da comunicação mostrar à sociedade brasileira as possibi- lidades de transformar estas faixas do espectro em uma grande via pú- blica, em um espaço aberto. Isto poderá ampliar o potencial criativo comunicacional, tecnológico e cultural da sociedade brasileira. 75 Improving existing unlicensed bands isn’t enough. Most are so narrow and congested that their utility for open spectrum is limited. Furthermore, the high frequency of the most prominent unlicensed bands limits signal propagation. Lower-frequency spectrum that penetrates weather, tree cover, and walls would provide significant advantages for services such as last-mile broadband connectivity. 46
  • 47. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES COMPETITIVAS. Procedimentos administrativos, 2007. Disponível em: <http://www.telcomp.org.br/ Publicacoes/PROCED_ADM_TELCOMP_04julho2007.pdf>. BENKLER, Y The wealth of networks: how social production transforms . markets and freedom, 2006. Disponível em: <http://www.benkler.org/ wealth_of_networks/index.php?title=Download_PDFs_of_the_ book>. Acesso em: 27 jul. 2009. BRASIL. Decreto nº 5.820, de 29 de junho de 2006. Dispõe sobre a implantação do SBTVD-T, estabelece diretrizes para a transição do sistema de transmissão analógica para o sistema de transmissão digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decre- to/D5820.htm>. Acesso em: 27 jul. 2009. COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e TIC Empresas 2006. São Paulo: Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação - CETIC.br, 2007. Disponível em: <http://www.cetic.br>. Acesso em: 27 jul. 2009. COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e TIC Empresas 2007. 2. ed. São Paulo: Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação - CETIC.br, 2008. Disponível em: <http://www.cetic.br>. Acesso em: 27 jul. 2009. EDITAL de Cidades Digitais: contribuições estão sendo analisadas. Disponível em: <http://www.guiadascidadesdigitais.com.br/site/ pagina/edital-de-cidades-digitais-contribuies-esto-sendo-analisadas>. Acesso em: 20 out. 2009. HAZLETT, T. The wireless craze: the unlimited bandwidth myth, the spectrum auction faux pas, and the punchline to Ronald Coase’s ‘big 47
  • 48. joke’: an essay on airwave allocation policy. Law & Tech, Havard, v. 14, n. 2, p. 335-545, 2001. IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios. Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ trabalhoerendimento/pnad2007/graficos_pdf.pdf>. Acesso em: 20 out. 2009. SANDRINI, J. Venda de PCs encosta na de TVs já neste ano. Folha Online, 3 fev. 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/dinheiro/ult91u114234.shtml>. Acesso em: 27 jul. 2009. SILVEIRA, S. A. Redes virais e espectro aberto: descentralização e desconcentração do poder comunicacional. In: SILVEIRA, S. A. (Org.). Comunicação digital e a construção dos commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação. São Paulo: Perseu Abramo, 2007. SOUZA, A. P.; PINHEIRO, D.; ATHAYDE, P O Brasil cai na rede. . Carta Capital, n. 508, ago. 2008. Coluna Sociedade. WERBACH, K. Open spectrum: the new wireless paradigm. Spectrum Series Working Paper, n. 6, oct. 2002. Disponível em: <http:// werbach.com/docs/new_wireless_paradigm.htm>. Acesso em: 27 jul. 2009. ______. Radio revolution: the coming age of unlicensed wireless, 2003. Disponível em: <http://werbach.com/docs/ RadioRevolution.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2009. SÍTIOS CONSULTADOS ANATEL. http://www.anatel.gov.br/ COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. http:// www.cg.org.br/ GUIA DAS CIDADES DIGITAIS. http:// www.guiadascidadesdigitais.com.br/site/ 48
  • 49. QUISSAMÃ. http://www.quissama.rj.gov.br/ SUD MENNUCCI. http://www.sudmennucci.sp.gov.br/ TAPIRA. http://www.tapira.mg.gov.br/ 49
  • 50.
  • 51. IDENTIDADE, VALOR E MOBILIDADE: por uma iconomia dos motoboys em São Paulo Gilson Schwartz O homem nasce livre e em toda parte ele é acorrentado. Muitas vezes um homem acredita ser o mestre de outros, o que o torna nada mais que um escravo. Como esta mudança ocorreu? Eu não sei. Como posso legitimá-la? Para esta questão eu espero conseguir dar uma resposta. Rousseau , O Contrato social TECNOLOGIA, SEMIÓTICA E CÓDIGO: o valor dos ícones Somente 2,6% da população tem o hábito de navegar na internet brasileira, comparados a 15,6% nos EUA. O Brasil possui menos de um quarto da intensidade do fenômeno de web mobile em relação a socieda- des mais desenvolvidas. Entretanto, a penetração do telefone móvel é elevada, com 140 milhões de telefones e variada gama de serviços por toda a extensão continental do Brasil. O acesso à internet cresceu com lan houses e as condições de custo e crédito para bens de informática melhoraram. 51
  • 52. No entanto, permanece a dúvida: toda esta inclusão digital (em especial para as chamadas classes C, D e E) representa emancipação ou nova escravidão? O impacto social e econômico do celular é condicionado e estimu- lado por todas as mudanças simultâneas em outros canais de comunica- ção (rádio, TV imprensa, cinema, Web 2.0) em um sistema do mercado , que se move rápido do industrial para redes de serviços. Os níveis eleva- dos das tarifas de telecomunicações no Brasil, no entanto, contribuem para que os padrões de desigualdade de renda sejam reproduzidos, se- não agravados, pela modalidade concentradora de inclusão digital e midiática no país. Na economia do audiovisual digital, nem oferta e demanda, nem emissão e recepção bastam como categorias bipolares para apreender fenômenos triádicos da informação e da comunicação – definitivamente, o espaço-tempo foi alterado e é cada vez mais plasmado pelos ícones digitais que configuram uma autêntica “iconomia”. No capitalismo cognitivo ou “do conhecimento”, as redes são tecnológicas e sua apropriação depende da habilidade para formar metaredes para a gestão das mídias audiovisuais que configuram e ex- ploram ícones típicos do hibridismo entre mundos virtuais e reais. Plataformas tecnológicas e modelos de negócios orbitam em tor- no de inteligências semióticas que suspendem recorrentemente as hie- rarquias e recriam gradientes de informação imperfeita, assimetrias de atenção e enquadramentos do gozo. Ou seja, o dinamismo da “iconomia” depende da introdução sistemática de inovações e desequilíbrios tecnológicos nas interfaces entre seres humanos, máquinas e meio-am- biente. A acumulação de ativos (e passivos) intangíveis por corporações e Estados, assim como as novas estruturas e ideologias da governança e da esfera pública relacionadas à promoção do conhecimento e da cultura repousam todas sobre uma energia instável e se abrem a uma incerteza estrutural que resulta da própria imaterialidade da informação. Essa eco- 52
  • 53. nomia da informação constitui mercados em que as assimetrias são or- ganizadas por meio de ícones e essa superestrutura icônica é tão volátil quanto às estruturas supostamente mais estáveis reguladas pelo Estado ou as aparentemente livres como nos mercados autorregulados do siste- ma financeiro e da mídia. A crise global mais recente reforça essa incerteza estrutural do novo capitalismo e desafia tanto teóricos quanto pesquisadores empíricos. Pode ser também a crise final da transição entre a economia industrial e as redes de serviços que definem as fronteiras de acumulação material e imaterial de uma “iconomia”, justificando a definição de um programa de pesquisas cujo foco está em decifrar o valor de ativos e mercados que se criam, reproduzem e destroem a partir ou animados por fluxos comu- nicativos. A busca de uma nova teoria do valor da comunicação e da infor- mação é o horizonte no qual se enquadram temas como a “virada icônica” (depois do linguistic turn, um iconic turn ou Ikonische Wende) nas ciências sociais. As inovações que caracterizam a evolução da internet, gerando tanto prodígios de P&D (como o projeto genoma, os grids computacionais e as “nuvens” digitais) quanto grandes blockbusters no mercado de interfaces mediais (como My Space, Orkut, Napster, Bit Torrent, Second Life, Twitter ou i-Tunes). Mais que a expansão do potencial da criação de mercados e de riqueza das tecnologias de informação e comunicação (TIC), os modos de marcação (midiática) a mercado do conhecimento escondem a chave de leitura numa perspectiva iconômica. Uma percepção mais fina da criação e da distribuição de valor na sociedade em rede requer atenção ao ícone enquanto ativo em rede que sustenta a inovação na gestão da identidade e da riqueza ampa- rada em infraestruturas digitais de produção, distribuição e financi- amento. É um cenário complexo cuja compreensão requer conheci- mentos da engenharia, da economia e dos negócios, da semiótica e da midialogia. 53
  • 54. Nessa nova “iconomia”, apenas parcial e aparentemente horizon- tal e aberta, os novos excluídos passam a enfrentar mais uma barreira à entrada que vai além do acesso ou do uso competente da tecnologia em si mesma: o valor depende do potencial icônico apropriado com maior ou menor competência pelos grupos de usuários criativos das e- infraestruturas. MOBILIDADE COMO ÍCONE No caso específico do segmento do motofrete (que emprega os motoboys), vive-se num estado de fluxo em que serviços absolutamente essenciais para milhões de pessoas desempenham na vida urbana um papel análogo ao da circulação sanguínea na sustentação da vida indivi- dual. No entanto, os próprios motoboys transformaram-se num ícone que funciona como objeto de ódio e causador de desordem, morte e fatalida- de (acidentes são frequentes, com mais de uma vitima por dia nas ruas de São Paulo). São referidos como expressões do mal, do feio e do pobre, do desqualificado e do infrator. O fato, dada a superpopulação dos espaços urbanos, é que a mobilidade física (e a falta dela) transforma-se em vantagem compe- titiva, ou seja, plataforma de negócios para inúmeras redes de servi- ços. As assimetrias tecnológicas do transporte e da comunicação tor- nam-se mutuamente funcionais, gerando valor pela exploração do tráfego sobrecarregado e da má qualidade de vida em megacidades pós-industriais. Inserido numa camada social que se aproxima da grande massa das classes C, D e E, o motoboy é saudado como fonte de mobilidade e como um empecilho à própria mobilidade e ao comportamento civiliza- do em nossas superpopulosas cidades. Uma descrição interessante do fenômeno motoboy em sua relação paradoxal com a sociedade a que serve foi publicada no New York Times por Larry Rohter, com título que 54
  • 55. resume bem a imagem do motoboy (Pedestrians and Drivers Beware! Motoboys Are in a Hurry): Em uma cidade com quase 11 milhões de habitantes e 4.5 milhões de carros, 32 mil táxis e congestiona- mentos de tráfego com mais de 100 quilômetros, não raro cruzar a cidade pode demorar mais de duas ho- ras. Somente um grupo na maior cidade da América do Sul parece imune a tais frustrações e atrasos: o exér- cito audaz dos mensageiros da motocicleta conheci- dos como ‘motoboys’. Esta vantagem comparativa, entretanto, vem com um custo, porque incansáveis velocistas, zigue-zagueando entre os carros parados, ignorando a sinalização das vias, eles ameaçam regu- larmente pedestres, enfurecem motoristas enquanto zumbem entre faixas nas ruas e estradas. (ROHTER, 2004) Rohter adicionou mais comentários reveladores: […] muitos motoboys, especialmente mais novos, veem-se como os espíritos livres ou cowboys urba- nos, desafiando as convenções da sociedade e inveja- dos pelos assalariados padrão metidos em carros e es- critórios. […] Todos odeiam os motoboys exceto quando necessitam um eles mesmos, disse Caíto Ortiz, diretor de ‘Motoboys: Vida louca’, um documentário recentemente premiado. (ROHTER, 2004) Em suma, a mobilidade é um ícone da pós-modernidade e uma vantagem individualmente batalhada pelos indivíduos competidores em espaços urbanos, uma rede viva de agentes móveis é afinal necessária, ainda que paradoxalmente ao mesmo tempo descartável e mórbida, emer- gem matizes de uma “luta de classes” entre aqueles que podem se mo- ver, os motoboys, e aqueles que são mais pegajosos, lentos ou regulados, 55
  • 56. os motoristas de carros e outros veículos e, finalmente, até os pedestres (há roubos frequentes de pedestres por indivíduos atuando em duplas sobre motocicletas). Radicaliza-se a oposição entre a estrutura de um mundo sticky (pegajoso) e as redes flexíveis, os espaços modulares, os fluxos imateriais, as ondas virais, “meme-rizáveis” e contagiosas. (Cf. JENKINS, 2009) A importância da mobilidade como um recurso estratégico vital nas sociedades constituídas “por projetos” foi discutida exemplarmente por Boltanski e por Chiapello (1999): Em um mundo reticular, o projeto é a ocasião e a ra- zão para a conexão […] Os projetos fazem a produ- ção e a acumulação possível em um mundo que, fos- sem puramente conectivo, conteria simplesmente os fluxos, nada poderia ser estabilizado, acumulado ou cristalizado. Enquanto um trabalhador contribui sem ter acesso aos frutos da acumulação de capital no modo de produção industrial, o motoboy é um agente dos fluxos e contribui ao processo de reprodução capitalista em rede nas megacidades, está sempre no lado “do córrego infinito de asso- ciações efêmeras”, enquanto os clientes, os empreendedores e as autori- dades que regulam o trânsito do motofrete dedicam-se a sugar seus benefícios e a gozar os frutos acumulados fora do fluxo (a pizza na mesa, o pagamento no banco, a droga em casa). MOTOANJOS: nascimento de um ícone O Canal Motoboy foi lançado em maio de 2007 como um projeto de arte pública por Antoni Abad, um artista espanhol que utiliza a tecnologia digital na arte do vídeo e da instalação e trabalha em diversos países com grupos discriminados tais como imigrantes, indivíduos com necessidades especiais, prostitutas, ciganos, taxistas e motoboys. De acor- 56
  • 57. do com Osava (2008), Abad persuadiu inicialmente 12 motoboys para gravar sua vida diária usando as câmeras dos seus celulares. Os acidentes, os crimes, a poluição da água, os congestionamen- tos, arte da rua (como o grafitti) e outros eventos compõem um diário visual cujas fotos, vídeos ou textos curtos são imediatamente lançados no site do Canal Motoboy. O primeiro líder do grupo, Eliezer Muniz, um motoboy graduado em Filosofia na Universidade de São Paulo, criou um grupo de estudo e passou a promover eventos em favor da identidade e da cultura dos motoboys. O sonho de Muniz era o de viabilizar “10 mil motoboys” relatando através de SMS, fotos e vídeos de todo o país, criando uma agência de notícias que ofereceria um diferencial, um ponto de vista mais democrá- tico da vida urbana. A revolução cultural dos motoboys (The Motoboys’ Cultu- ral Revolution) foi a manchete da edição do Le Monde Diplomatique de maio de 2008 sobre um evento cultural promovido pelo “Canal Motoboy”. No encerramento do projeto de Abad, fui convidado a participar de um debate sobre os efeitos da inclusão digital dos motoboys por meio de celulares. Sem emitir juízo sobre o projeto artístico em si, o fato é que minha própria agenda de pesquisa sobre tecnologia e cidade ganhou uma nova inquietação diante do desafio não apenas de “usar” a cultura motoboy como um ingrediente numa performance (no lugar da tinta no pincel, a imagem captada por um motoboy fica registrada no site, no livro ou no manifesto artístico), como um sujeito/objeto passivo, mas de con- vidar os motoboys a de fato se posicionarem como sujeitos, colocando-os na condição de criadores de ícones e empreendedores de projetos emancipatórios. Da arte à ciência social, surgiu assim uma nova agenda de pesqui- sa, desenvolvimento e inovação para a “Cidade do Conhecimento”, pos- sível na medida em que se possa inquirir sobre o que resultaria dos fluxos de motoboys se eles próprios se apropriassem (por exemplo, pelo uso dos celulares) dos potenciais de valor gerados pelas assimetrias icônicas 57